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Atividade IX Filosofia EJA: 1A -1B -1C

Boa noite, meus queridos alunos! Tudo em paz com vocês?
Esperamos que logo essa situação esteja normalizada.
A atividade da semana consiste em leitura do texto e responder às questões.
Um abraço a todos,
e  bons estudos!
OK ?


Felicidade : O bem que todos desejam
Experiência filosófica
A análise que fizemos da situação anterior teve
como propósito destacar dois processos básicos
que marcam, de modo geral, a experiência filosófica:
o estranhamento e o questionamento.
Estranhamento ou deslocamento
Trata-se do primeiro passo da experiência filosófica.
Quando uma pessoa vive uma circunstância
de deslocamento ou estranhamento, experimenta
uma quebra ou interrupção no fluir normal de sua
vida. Detém-se, então, para pensar ou observar algo
que antes não via, ou que vivia de forma automática,
sem se dar conta, sem atenção, sem se questionar.
Foi isso o que ocorreu com o médico durante
sua permanência com os xavantes. Tal circunstância
permitiu-lhe um distanciamento em relação
à sua vida na cidade e, provavelmente, um
contato com algumas de suas próprias crenças
sobre a felicidade.
Questionamento ou indagação
Trata-se do segundo passo da experiência filosófica.
Após viver o estranhamento, a pessoa
Visitante de museu na Alemanha observa a pintura Simonia
(dorsale), de nicola samori. na contemplação de uma obra
de arte também podemos vivenciar uma quebra no fluir
normal de nossas vidas.
inicia um processo de questionamento (interno e
externo) sobre o tema que lhe chamou a atenção.
Foi o que expressou o médico, em suas perguntas
ao índio: a primeira, com enfoque particular
(“você é feliz?”), cuja resposta corresponde
apenas a esse indivíduo; a segunda, de enfoque
geral ou universal (“o que é felicidade ou ser feliz?”),
cuja resposta deveria valer para todas as
experiências de felicidade dos seres humanos,
ou até mesmo independentemente destes (a felicidade
em si).
Certamente você já vivenciou, em algum momento,
questionamentos semelhantes após algum
acontecimento marcante em sua vida. Pode ter
sido durante uma viagem para um lugar distante e
distinto, na morte de um ser querido, em uma
grande decepção amorosa etc. e aí começou a se
questionar, mesmo que superficial e brevemente,
sobre sua vida e a existência em geral. Pois, então,
você estava tendo uma experiência filosófica, ainda
que rudimentar. estava dando os primeiros passos
no filosofar.
Resposta filosófica
Falta-nos, porém, um terceiro passo para
que haja uma experiência filosófica completa.
Prossigamos, então, em nossas descobertas.
na análise que fizemos da historieta inicial, a
principal questão encontrada foi a que envolve o
conceito de felicidade, formulada na pergunta “o
que é felicidade?”. Trata-se agora, portanto, de
construir uma resposta para essa questão.
Após uma reflexão serena e profunda, a
resposta a ser elaborada deverá constituir um
discurso, isto é, a enunciação de um raciocínio,
no qual as ideias deverão estar ordenadas
de maneira lógica no sentido de expressar um
entendimento sobre o problema e, na medida
do possível, encontrar uma “solução” para ele.
Além disso, esse discurso deverá ter um caráter
universal, isto é, pode ser aplicado a todos
os casos ou pessoas. essas são características
importantes de uma resposta filosófica.
isso quer dizer que as respostas filosóficas
não são “qualquer” resposta, pois filosofar não
é pensar de qualquer maneira, seja quando se
pergunta ou quando se responde (conforme veremos
de forma mais detalhada nos próximos
capítulos).
JAn-PhiliPP sTRobel/DPA/CoRbis/FoToARenA
Cap’tulo 1 A felicidade 17
esse terceiro passo para constituir uma experiência
filosófica completa não foi dado em nossa
historieta. ela não apresenta uma resposta com
tais características. Ao contrário, a resposta de
Rupawe chega a provocar em nós, leitores, certo
efeito cômico, pela ingenuidade e aparente contradição
do índio ao se declarar feliz e, ao mesmo
tempo, não saber o que é felicidade.
Veja, porém, que essa ironia é profundamente
filosófica, pois não é verdade que, com frequência,
temos uma compreensão particular, intuitiva e
experiencial de alguma coisa ou dimensão de
nossa existência (como a felicidade, o amor, o desejo),
mas não um entendimento conceitual mais
amplo e abstrato dela? essa é uma experiência
constante de nosso cotidiano: conhecemos algo,
sentimos algo, vivemos algo, mas temos dificuldade
para defini-lo.
Ironia – em literatura, uso de palavras ou situações
incongruentes ou contraditórias, com efeito crítico
ou humorístico.
será fácil, porém, definir a felicidade nesses
termos? não, assim como não é fácil responder
grande parte dos temas tratados pelos filósofos
em toda a história da filosofia. Tanto que existe
muita discordância entre eles, que deram respostas
diferentes, com frequência contrárias –
embora brilhantes –, para as mesmas questões.
e muitas vezes, ao respondê-las, despertaram
novos problemas, sobre os quais se debruçariam
as gerações seguintes.
Assim, como veremos ao longo deste livro, em
filosofia não existem respostas definitivas, no
sentido de convencer a todos e “acabar com a
discussão” (embora seja isso o que pretende e
acredita ter alcançado boa parte daqueles que se
lançam nessa tarefa). os temas filosóficos são os
temas fundamentais da existência humana, mas
as pessoas muitas vezes têm experiências distintas,
suas vidas mudam e as sociedades também.
Por isso, costuma-se dizer que a filosofia é uma
contínua conversação.
1. Recorde um momento de sua vida que fez você parar para pensar. Depois elabore um texto sobre essa
si tuação que contenha estes elementos:
a) lugar onde ocorreu a situação, data, pessoas envolvidas, diálogos, sensações, emoções;
b) problema (dúvidas ou perguntas que essa situação despertou em você à época);
c) respostas a que chegou então (se chegou a alguma);
d) crítica: em que sua reflexão pode ser melhorada hoje, no sentido de torná-la uma resposta mais filosófica?
ConExõEs
Felicidade e sabedoria
Voltando ao nosso tema, a felicidade, talvez você já esteja pensando: “Até aqui eu entendi. mas por que
começamos um livro de filosofia falando de felicidade? Afinal, qual é a relação entre felicidade e filosofia?”.
Pois bem, a relação é histórica, isto é, vem desde o nascimento da atividade filosófica na Antiguidade
grega, há mais de 25 séculos. Como a própria etimologia revela, a palavra filosofia é formada pelos termos
gregos philos, “amigo”, “amante”, e sophia, “sabedoria”. Portanto, filosofia quer dizer “amor à sabedoria”.
e sabedoria, para os gregos, não era apenas um grande saber teórico, mas principalmente prático, tendo
em vista que buscava atender ao que consideravam o objetivo supremo da vida humana: a felicidade.
Assim, a filosofia apresentava-se como um conhecimento superior que conduzia à vida boa, isto é, que
indicava como viver para ser feliz. e o filósofo se reconhecia
como aquele que buscava, praticava e ensinava um
método, um caminho para a felicidade.
As artes da paz (1893) – gari melchers.
observe a obra e reflita sobre a
importância do conhecimento nessa
pintura mural. Trata-se de uma
representação moderna do mundo
antigo. A estátua reverenciada é de
Palas Atena, deusa da sabedoria,
das artes e da guerra.
minneAPolis insTiTuTe oF ARTs, minnesoTA, euA
18 Unidade 1 Filosofar e viver
Origem da palavra filosofia
Conforme a tradição histórica, a palavra filosofia foi usada pela
primeira vez pelo pensador grego Pitágoras (c. 570-490 a.C.),
quando o príncipe leonte perguntou-lhe sobre a natureza de sua
sabedoria. Pitágoras respondeu: “sou apenas um filósofo”. Com
essa resposta, pretendia esclarecer que não detinha a posse da
sabedoria. Assumia a posição de “amante do saber”, isto é, alguém
que quer, ama e deseja o saber.
Com o decorrer do tempo, entretanto, a palavra filosofia foi
ganhando um significado mais específico, passando a designar a
busca de um tipo especial de sabedoria: aquela que nasce do uso
metódico da razão, da investigação racional.
Finalidade última da filosofia
em sua origem histórica, a relação da filosofia
com a felicidade era fundamental, pois a vida boa
seria a finalidade última da investigação filosófica.
Para que você entenda bem o que queremos dizer
com “finalidade última” de uma ação, observe a
seguinte sequência de perguntas:
• Filosofar para quê?
Para pensar melhor sobre tudo: os fatos, as pessoas,
a vida.
• Pensar melhor sobre tudo para quê?
Para encontrar soluções aos problemas da existência
– a minha e a de outras pessoas.
• encontrar essas soluções serve para quê?
Para ter menos problemas, ficar mais tranquilo
e viver melhor.
• Viver melhor para quê?
Para me sentir bem, em paz comigo mesmo e
com o mundo.
• sentir-se assim para quê?
Para ser feliz.
• ser feliz para quê?
não sei. Talvez para deixar as pessoas que me
cercam felizes também.
• Deixá-las felizes para quê?
Para que eu fique feliz com a felicidade delas.
Vemos que, no final, as respostas começam a ser
circulares. Voltam sempre ao mesmo ponto, ou seja,
à ideia desse sentimento de bem-estar, de satisfação
consigo mesmo e com a vida, ligada também à sensação
de plenitude, de já ter tudo e não precisar de
mais nada. essa é uma boa descrição da felicidade.
Portanto, finalidade última é aquela que está
por detrás de todas as finalidades mais imediatas e
conscientes de uma ação. geralmente inconsciente,
ela é o motivo fundamental de uma conduta.
Finalidade última de todos os atos
usando da mesma lógica contida nessa sequência
de perguntas, podemos supor que a felicidade
é igualmente a finalidade última de todos
os nossos atos, mesmo de ações que parecem
“ruins” por algum tempo, ou daquelas que realmente
nos fazem mal e aos outros. É que, no
fundo – conforme acreditam vários filósofos e
psicólogos –, a intenção última de toda ação ou
conduta é “positiva” no sentido de que, consciente
ou inconscientemente, a pessoa está buscando,
por meio dessa ação, trazer, preservar, aumentar
seu bem-estar, ou mesmo evitar, acabar com uma
dor, um sofrimento, uma tristeza.
É o caso, por exemplo, do jovem que “malha” todos
os dias na academia para alcançar uma boa
condição física, que “racha” de estudar para passar
no vestibular ou que realiza trabalhos voluntários
em sua escola ou comunidade. são esforços, “sacrifícios”,
ações em que se abandona o prazer imediato
em busca de um bem maior, uma alegria.
Parece que a felicidade funciona como um ímã
oculto que atrai as pessoas com seu magnetismo,
impulsionando seus movimentos, suas ações.
beTTmAnn/CoRbis/FoToARenA
Pitágoras.
o filósofo e matemático
grego ensinava que a
música é um remédio
para a alma.
Razão – faculdade (capacidade) da
mente à qual corresponde o raciocínio
(ou encadeamento lógico das ideias)
e a possibilidade de compreender
intelectualmente as coisas. opõe-se,
nesse sentido, à compreensão que
advém das sensações e da sensibilidade.
Cap’tulo 1 A felicidade 19
sem a perspectiva do bem que traz uma ação, ela
perde seu sentido, e o magnetismo se desfaz.
mas, quando temos essa perspectiva do bem que
queremos e o alcançamos, vivemos um estado
de satisfação com nossa situação no mundo.
Aliás, a etimologia revela que a palavra felicidade
vem do latim felicitas, que, por sua vez, deriva
do latim antigo felix, que significa “fértil, frutuoso,
fecundo” (cf. AbbAgnAno, Dicionário de filosofia).
Felicidade é, portanto, um estado de fecundidade
que gera vida e vitaliza nossa existência.
no entanto, a busca da felicidade também está
por detrás de muitos comportamentos autodestrutivos,
como a dependência das drogas, do álcool e
do tabaco, ou antissociais, como a violência e a delinquência,
sem falar no simples egoísmo e na falta
de consideração pelos demais.
Assim, afirmar que a felicidade é a finalidade
última de todos os atos não é dizer que todo e
qualquer ato traz felicidade. Como você já deve ter
experimentado, muitas vezes o que se obtém é o
oposto: buscamos felicidade e acabamos conseguindo
infelicidade. Por isso é tão importante desenvolver
um conhecimento mais crítico sobre o
mundo, sobre as coisas. Como diz o ditado popular:
“nem tudo o que reluz é ouro”.
“nem tudo é dias de sol, /
e a chuva, quando falta muito,
pede-se. / Por isso tomo a
infelicidade com a felicidade /
naturalmente, como quem não
estranha / Que haja montanhas
e planícies / e que haja rochedos
e erva...” (PessoA, O guardador
de rebanhos, p. 14.)
JusTin PAgeT/CoRbis/FoToARenA
1. explique as três etapas básicas de uma experiência
filosófica.
2. Por que se diz que existe uma relação histórica
entre felicidade e filosofia?
3. Disserte sobre o conceito de finalidade última.
4. o que é a felicidade para você? em que situações
concretas de sua vida você experimentou esse
estado?
análisE E EntEndimEnto
1. Finalidade oeltima
“A felicidade é a finalidade última de todos os
nossos atos.” Você concorda com essa afirmação?
não poderia ser, por exemplo, o amor,
o crescimento espiritual ou mesmo a riqueza
material? Debata sobre esse tema com seus
colegas, procurando:
a) expor sua opinião e escutar atentamente a dos
demais;
b) questionar, com argumentos e de maneira respeitosa,
as opiniões das quais você discorda ou
que não entendeu direito;
c) apoiar, com argumentos, aquelas de que
você gostou, complementando-as, se achar
necessário.
ConvERsa FilosóFiCa
20 Unidade 1 Filosofar e viver
como viver pArA ser Feliz?
O que disseram os sábios gregos
humanidade dedica-se regularmente e com
avidez a eles;
• saúde – valorizada por muitos, principalmente
quando falta, mas perseguida pelos mais moderados
ou disciplinados;
• amor e amizade – considerados importantes pela
maioria, mas com frequência relegados a um
segundo plano em termos de prioridade.
Pressupõe-se que a carência de uma dessas
fontes possa explicar a infelicidade de alguém. o
curioso é que, com frequência, pessoas que desfrutam
de tudo isso não se sentem felizes, ou são
infelizes por tê-las em excesso. Como explicar
isso? Dependerá a felicidade de outros fatores
mais essenciais? Variará de pessoa para pessoa?
em uma primeira análise, podemos perceber na
lista acima uma tendência em considerar a felicidade
como o resultado de fatores predominantemente materiais
e externos que afetam a vida de um indivíduo:
bens, dinheiro, reconhecimento do meio social, prazeres
ditos “carnais”, ausência de doenças. As circunstâncias
internas, sua vida interior, não contariam
tanto, nem a coletividade em que vive esse indivíduo.
Diferindo da tendência geral, a maioria dos filósofos
– especialmente os gregos antigos – propôs
caminhos mais comportamentais e intelectuais
(ou espirituais) para a obtenção da felicidade verdadeira.
Alguns deles também empregaram uma
perspectiva menos individualista, concebendo a felicidade
como resultado de um processo coletivo,
alcançado em conjunto com a comunidade.
Dois amiguinhos observam o dia chuvoso na fronteira entre
bangladesh e Índia.
Avancemos um pouco mais em nossa investigação
sobre a felicidade, colocando-nos agora
algumas questões:
• se o que nos move é, em última instância, o desejo
de ser feliz, mas nem todo ato traz felicidade,
como alcançar nosso objetivo?
• Considerando a fragilidade e a vulnerabilidade
humanas, como devemos agir para levar uma
vida feliz ou, ao menos, não infeliz?
• Quais são as fontes da felicidade?
É aí que entra em cena o sábio, o filósofo. Como
ficará mais claro adiante, responder de forma filosófica
a essas questões envolve primeiramente
formar uma ideia bem fundamentada sobre muitos
outros temas: como é o mundo, quem somos
nós, que lugar ocupamos no mundo, como conhecemos
as coisas, que sentido tem a existência de
cada um e muitos outros problemas filosóficos.
Todas essas respostas devem ser coerentes entre
si, formando um sistema.
Sistema – conjunto de elementos em que um
depende do outro, compondo um todo orgânico,
coerente e organizado.
Assim, ao tentar responder a essas e outras perguntas,
os sábios da grécia antiga, nossos primeiros
filósofos (do mundo ocidental), acabaram elaborando
sistemas filosóficos distintos, com explicações
que procuraram abarcar toda a complexidade do
universo natural e humano. Veremos, logo mais, algumas
dessas respostas. Antes, porém, abordemos
o tema das fontes de felicidade, para formar um
mapa prévio, orientador.
Fontes da felicidade
Que elementos, condições ou coisas tornam
um indivíduo feliz? De acordo com textos antigos,
os elementos mais desejados e perseguidos pelas
pessoas em geral durante a Antiguidade eram (e
você perceberá que continuam sendo):
• bens materiais e riqueza – sempre estiveram
entre as fontes mais cobiçadas e pelas quais as
pessoas mais se esforçam;
• status social, poder e glória – pode-se até matar
por eles, mesmo quando as pessoas não são tão
conscientes do valor que lhes dão;
• prazeres da mesa e da cama – fontes básicas do
bem-estar corporal e emocional, boa parcela da
mohAmmAD musTAFizuR RAhmAn/momenT/geTTy imAges
Cap’tulo 1 A felicidade 21
Aprender a pensar com os filósofos
Veremos em seguida algumas das principais doutrinas sobre a felicidade, concebidas pelos pensadores
da grécia antiga. Conhecer o que pensaram filósofos de outras épocas e pensar junto com eles pode ser
interessante e fecundo – e “facilita” nossa vida, pois podemos aproveitar o caminho aberto e depois tomar
nosso próprio rumo, sem perder tempo “reinventando a roda”.
Além do que se ganha em compreensão, conhecimento de si e dos outros por intermédio das grandes
obras da tradição, é preciso saber que elas podem simplesmente ajudar a viver melhor e mais livremente. [...]
Aprender a viver, aprender a não mais temer em vão as diferentes faces da morte, ou, simplesmente, a
superar a banalidade da vida cotidiana, o tédio, o tempo que passa, já era o principal objetivo das escolas
da Antiguidade grega. A mensagem delas merece ser ouvida, pois, diferentemente do que acontece na
história da ciência, as filosofias do passado ainda nos falam.
Ferry, Aprender a viver: filosofia para os novos tempos, p. 16-17.
Você verá neste livro que alguns pensadores forjaram, por vezes, visões de mundo bastante diferentes
da nossa (ou da sua), mas que ainda fazem algum (ou muito) sentido no mundo atual. notará também
que algumas de suas concepções tornaram-se amplamente aceitas e incorporaram-se ao cotidiano de
grande parte das pessoas – ou de certos grupos sociais – mesmo que de forma transparente e sutil.
outras vezes, porém, perceberá que muitas delas ainda são polêmicas, fazendo parte dos debates das
sociedades contemporâneas.
Publicidade de shopping center mexicano em uma
revista sobre moda. A propaganda busca com
frequência – por meio de imagens e mensagens
subliminares – criar nas pessoas necessidades
que elas não teriam se não fossem bombardeadas
incessantemente pelas campanhas publicitárias.
observação
A investigação sobre o tema da felicidade
pertence mais especificamente
a um ramo da filosofia conhecido
pelo nome de ética (que será estudado
com mais detalhes no capítulo
18). A ética trata de um universo de
questões ligadas ao dever, isto é,
como devemos agir em geral ou em
relação a problemas específicos.
AnTARA
2. observe a imagem ao lado e reflita:
a) Qual é a mensagem dessa propaganda?
Você acredita que só é
feliz quem vive assim, de acordo
com esse modelo? Por quê?
b) o que você considera como fontes
fundamentais para sua felicidade
pessoal?
ConExõEs
22 Unidade 1 Filosofar e viver
Platão: conhecimento
e bondade
no grego antigo, várias palavras traduziam
distintos aspectos da felicidade. A principal delas
era eudaimonia, derivada dos termos eu (“bem-
-disposto”) e daimon (“poder divino”). Trata-se da
felicidade entendida como um bem ou poder concedido
pelos deuses. subentendia-se que, para
mantê-la, a pessoa deveria conduzir sua vida de
tal maneira a não se indispor com as divindades,
para o que era preciso sabedoria. mesmo assim,
ainda corria o risco de perder esse bem ou poder
se os deuses assim o desejassem, por qualquer
motivo arbitrário.
isso significa que a felicidade era tida como uma
espécie de fortuna ou acaso – enfim, um bem instável
que dependia tanto da conduta pessoal, como
da boa vontade divina (cf. LAurioLA, De eudaimonia à
felicidade..., Revista Espaço Acadêmico, n. 59).
Platão (427-347 a.C.) – considerado por boa
parte dos estudiosos o primeiro grande filósofo
ocidental, juntamente com seu mestre, sócrates –
foi um dos principais pensadores gregos a se lançar
contra essa instabilidade, em busca de uma felicidade
estável, postura que caracterizará de forma
marcante a ética eudemonista grega. (Veja a biografia
de Platão no capítulo 12. Distintos aspectos
de seu pensamento serão abordados também em
várias outras partes deste livro.)
no entendimento de Platão, o mundo material
– aquele que percebemos pelos cinco sentidos – é
enganoso. nele tudo é instável e por meio dele não
pode haver felicidade. Por isso, para esse filósofo, o
caminho da felicidade é o do abandono das ilusões
dos sentidos em direção ao mundo das ideias, até
alcançar o conhecimento supremo da realidade,
correspondente à ideia do bem.
o que isso significa e como devemos agir para
alcançar essa condição?
Harmonizar as três almas
Para entender a concepção platônica de felicidade,
precisamos compreender primeiramente
sua doutrina sobre a alma humana, contida na
obra A República. Para Platão, o ser humano é essencialmente
alma, que é imortal e existe previamente
ao corpo. A união da alma com o corpo é
acidental, pois o lugar próprio da alma não é o
mundo sensível, e sim o mundo inteligível. A
alma se dividiria em três partes:
• alma concupiscente – situada no ventre e ligada
aos desejos carnais;
• alma irascível – situada no peito e vinculada às
paixões;
• alma racional – situada na cabeça e relacionada
ao conhecimento.
A vida feliz de uma pessoa dependeria da devida
subordinação e harmonia entre essas três almas.
A alma racional regularia a irascível, e esta controlaria
a concupiscente, sempre com a supervisão da
parte racional. há, portanto, uma primazia da parte
racional sobre as demais.
Para apoiar essa tarefa, Platão propunha duas
práticas:
• ginástica – conjunto de exercícios e cuidados
físicos por meio dos quais a pessoa aprendia
a disciplina e o domínio sobre as inclinações
negativas do corpo; e
• dialética – método de dialogar praticado por
sócrates (conforme veremos no capítulo 3), pelo
qual cada pessoa poderia ascender progressivamente
do mundo sensível (que Platão considerava
ilusório) ao mundo inteligível (que ele
considerava verdadeiro).
Pintura sobre vaso etrusco fabricado em sèvres (c. 1827-1832)
– Percier/beranger (Coleção particular). Representa uma
corrida entre jovens gregos em aula de educação física.
na grécia antiga, a educação das crianças – ou paideia
(do grego paidos, “criança”) – passou por várias etapas de
desenvolvimento. À época de Platão, meninos entre 7 e
14 anos (meninas não) recebiam aulas de ginástica e música.
Também aprendiam gramática e a recitar de cor poemas
antigos, que eram fonte importante de conteúdo moral
(cf. JAeger, Paidea – a formação do homem grego).
mAssimo lisTRi/CoRbis/FoToARenA
Eudemonista – relativo à felicidade ou que tem a
felicidade como valor fundamental ou principal objetivo.
Inteligível – que só pode ser apreendido pelo intelecto,
por oposição ao sensível, isto é, que só pode ser
apreendido pelos sentidos.
Concupiscente – que está relacionado com a
concupiscência, isto é, o desejo de prazeres carnais.
Irascível – que é propenso a experimentar a ira, a raiva.
Capítulo 1 A felicidade 23
Conhecer o bem
Por meio dessas práticas – especialmente da
dialética – a alma humana penetraria o mundo inteligível,
também conhecido como mundo das
ideias, e se elevaria sucessivamente, mediante a
contemplação das ideias perfeitas, até atingir a
ideia suprema, que é a ideia do bem. Para Platão,
as ideias perfeitas seriam a realidade verdadeira,
e compreendê-las significava, portanto, alcançar
o grau máximo de conhecimento.
Por que a supremacia da ideia do bem? Porque
o bem, segundo o filósofo, seria a causa de todas
as coisas justas e belas que existem, incluindo as
outras ideias perfeitas, como justiça, beleza, coragem.
sem o bem não há nenhuma delas, inclusive a
ideia perfeita de felicidade. (Voltaremos a estudar a
teoria do mundo das ideias no capítulo 12.)
em resumo, podemos dizer que, para Platão, a
felicidade é o resultado final de uma vida dedicada
a um conhecimento progressivo até se atingir a ideia
do bem, o que poderia ser sintetizado na seguinte
fórmula: conhecimento = bondade = felicidade.
As três coisas, quando ocorrem em sua máxima
expressão, andariam sempre juntas, mas o caminho
partiria do conhecimento.
Além disso, para Platão, a ascensão dialética
equivaleria não apenas a uma elevação cognoscitiva
(isto é, do conhecimento), mas também a uma
evolução do ser da pessoa (evolução ontológica, no
jargão filosófico). simplificando bastante, podemos
dizer que aquele que alcança o conhecimento verdadeiro
(que culmina com a ideia do bem) torna-se
um ser “melhor” em sua essência e, por isso, pode
viver mais feliz.
Construir o bem de todos
Platão, no entanto, tinha como motivação fundamental
de seu filosofar o âmbito político: para
ele, a política era a mais nobre das atividades e
de todas as ciências, pois tinha como objeto a pólis
(cidade-estado grega) e, portanto, a vida do
conjunto dos cidadãos. Por isso, seu projeto político-
filosófico visou à construção de uma sociedade
justa, isto é, aquela que promovesse o bem
de todos (o bem comum):
[...] ao fundarmos a cidade, não tínhamos em vista tornar
uma única classe eminentemente feliz, mas, tanto quanto
possível, toda a cidade. De fato, pensávamos que só
numa cidade assim encontraríamos a justiça e na cidade
pior constituída, a injustiça [...]. Agora julgamos modelar
a cidade feliz, não pondo à parte um pequeno número
dos seus habitantes para torná-los felizes, mas considerando-
a como um todo [...] (A República, p. 115-116).
Com esse propósito, em sua obra denominada
A República, o filósofo idealizou uma sociedade
organizada em torno de três atividades básicas:
produção dos bens materiais e de alimentos, defesa
da cidade e administração da pólis (tema que
será estudado mais detidamente no capítulo 19).
Dentro dessa organização, a cada cidadão caberia
uma função social (produtor, guerreiro ou sábio),
e esta seria definida de acordo com sua própria
natureza, isto é, a aptidão inata a cada pessoa.
A identificação dessa aptidão natural ou vocação
se faria durante o processo educativo. A educação
seria igual para todos os jovens. Aqueles
que se revelassem os mais sábios seriam destinados
à administração pública. e, como os filósofos
eram os mais sábios entre os mais sábios (os
conhecedores do caminho da felicidade), seriam
eles os governantes da cidade.
Dentro dessa organização, conforme concebeu
Platão, cada um já seria feliz pelo simples
fato de cumprir a função para a qual é mais apto
por natureza (concepção grega à qual voltaremos
mais adiante).
aristóteles: vida teórica
e prática
na história da filosofia, ocorre frequentemente
que um discípulo acabe não sendo um seguidor
fiel das doutrinas de seu mestre e até se oponha a
ele em vários aspectos, desenvolvendo um pensamento
independente e original.
É o caso de Aristóteles (384-322 a.C.), que refutou
a teoria do mundo das ideias, pilar da filosofia
platônica, propondo um pensamento que, embora
valorizasse a atividade intelectual, teórica e contemplativa
como fundamental, resgatava o papel dos
bens humanos, terrenos, materiais para alcançar
uma vida boa (distintos aspectos do pensamento de
Aristóteles serão abordados no capítulo 12 e em
outras partes deste livro).
Qual foi, então, o método proposto pelo filósofo?
3. Praticar ginástica ou alguma atividade física
disciplinada faz você sentir-se bem? Você
percebe resultados concretos em termos de
bem-estar físico, emocional e mental? Procure
relacionar suas observações com a teoria
platônica sobre a felicidade.
ConExõEs
24 Unidade 1 Filosofar e viver
Exercitar a contemplação
em sua obra dedicada ao tema da ética, Aristóteles
apresenta a seguinte explicação:
[...] o que é próprio de cada coisa é, por natureza,
o que há de melhor e de aprazível para ela; e, assim,
para o homem a vida conforme a razão é a melhor
e a mais aprazível, já que a razão, mais que qualquer
outra coisa, é o homem. Donde se conclui que essa
vida é também a mais feliz (Ética a Nicômaco, p. 190).
Para que você entenda esse raciocínio, vamos
expor, mesmo que resumidamente, a argumentação
que sustenta a tese do filósofo sobre a felicidade:
• Aristóteles afirmava que um ser só alcança seu
fim quando cumpre a função (ou faculdade) que
lhe é própria e o distingue dos demais seres,
isto é, sua virtude (ou, em grego, aretŽ).
• A palavra virtude é entendida aqui como a propriedade
mais característica e essencial de um
ser, aquela cujo exercício conduz à excelência
ou perfeição desse ser, trazendo-lhe prazer.
Por exemplo: a virtude de uma faca é o seu
corte, de uma laranjeira é produzir laranjas, de
um dentista é tratar dos dentes.
• o ser humano, por sua vez, dispõe de uma
grande quantidade de funções ou faculdades
(caminhar, correr, comer, sentir, dormir, desejar,
obrar, amar etc.), mas outros animais podem
possuí-las também. há, porém, uma única
faculdade que ele possui com exclusividade
e que o distingue dos demais seres: o pensar
de forma racional. essa seria, portanto, sua
virtude essencial.
• Assim, o ser humano só alcançará seu fim e
bem supremo (a felicidade) se atuar conforme
sua virtude, que é a razão.
mas preste atenção: para Aristóteles, não
basta ter uma virtude (a racionalidade) – é preciso
exercitá-la. o ser humano precisa esforçar-se
para realizar aquilo que lhe é dado pela natureza
como potência (possibilidade de ser). Portanto, o
que o filósofo preconizava era que, para atingir a
felicidade verdadeira, o ser humano deveria dedicar-
se fundamentalmente à vida teórica, no
sentido de uma contemplação intelectual, buscando
observar a beleza e a ordem do cosmo, a
autêntica realidade das coisas. e deveria manter
essa prática durante a vida inteira, e não apenas
em um ou outro dia,
[...] porquanto uma andorinha não faz verão, nem
um dia tampouco; e da mesma forma um dia, ou um
breve espaço de tempo, não faz um homem feliz e
venturoso. (Ética a Nicômaco, p. 16.)
Praticar outras virtudes
sem tirar os pés do chão, no entanto, Aristóteles
dizia também que não se pode abandonar a
companhia da família e dos amigos, a riqueza e o
poder. Todos esses elementos, e o prazer que deles
resulta, promoveriam o bem-estar material e
a paz social, indispensáveis à vida contemplativa.
o sábio não poderá dedicar-se à contemplação
se, por exemplo, não houver alimentos, se seus
filhos chorarem de fome e se a cidade toda estiver
em pé de guerra.
Além do mais, o gozo de tais prazeres estaria
vinculado ao exercício de outras virtudes humanas
– como a generosidade, a coragem, a cortesia e a
justiça – que, em seu conjunto, contribuiriam para
a felicidade completa do ser humano.
Portanto, na ética aristotélica, embora o exercício
contínuo de uma vida teórica seja essencial
(condição necessária, no jargão filosófico) para
uma pessoa alcançar a vida feliz, isso não basta
(não é condição suficiente). em resumo, a felicidade
seria uma vida dedicada à contemplação teórica,
aliada à prática das outras virtudes humanas e
sustentada pelo bem-estar material e social.
Platão em estado contemplativo, meditando sobre a
imortalidade (1874) – autor desconhecido. (Coleção particular.)
beTTmAnn/CoRbis/FoToARenA
4. Destaque, entre os elementos propostos por
Aristóteles para uma vida feliz, aqueles que
você considera condição necessária para sua
felicidade. Para você há algum que, além de
necessário, é condição suficiente para ser
feliz? Qual? Justifique sua resposta.
ConExõEs
Capítulo 1 A felicidade 25
Epicuro: o caminho do prazer
Apesar das diferenças entre as duas abordagens
anteriores, você já deve ter notado que elas
não são tão distintas assim, pois tanto Platão como
Aristóteles, por caminhos diversos, valorizam muito
o papel do intelecto para obter uma vida feliz.
Resposta realmente distinta foi a de Epicuro
(341-271 a.C.), que recomendava o caminho do
prazer. Para o filósofo, felicidade é o prazer resultante
da satisfação dos desejos, como crê a maioria
das pessoas. mas o que epicuro quer dizer com
isso é que a felicidade é fundamentalmente prazer,
pois para ele tudo no mundo é matéria e, no ser
humano, sensação, inclusive a felicidade. Assim,
ser feliz é sentir prazer.
Com base nessa visão sensualista (baseada nas
sensações), epicuro dirá que todos os seres buscam
o prazer e fogem da dor e que, para sermos
felizes, devemos gerar, primeiramente, as condições
materiais e psicológicas que nos permitam
experimentar apenas o prazer na vida. e prazer,
para ele, é sobretudo ausência de dor, conforme
veremos adiante.
Que estratégias o filósofo propõe para evitar
a dor?
Eliminar certas crenças
uma das principais causas de angústia e infelicidade,
segundo epicuro, são as preocupações religiosas
e as superstições. ele se refere, aqui, ao
temor que certas crenças e religiões nos impõem.
Por exemplo, os gregos temiam muito ofender
seus deuses e serem terrivelmente punidos por
eles. Também viviam sob o pavor de que forças divinas
interferissem em suas vidas, mudando sua
sorte ou tirando-lhes os seres queridos.
Todo esse sofrimento poderia ser evitado,
segundo o filósofo, se as pessoas compreendessem
que o universo inteiro é constituído de matéria,
inclusive a alma humana. Veriam que tudo o que
acontece pode ser explicado pelo movimento
aleatório dos átomos, que produz forças cegas e
indiferentes ao destino humano. Aqui epicuro segue
a teoria atomista e mecanicista de outro filósofo
grego, Demócrito (460-370 a.C.), que estudaremos
adiante (no capítulo 11).
mediante essa compreensão materialista do
universo e do ser humano, epicuro sustentava que
as pessoas também se livrariam de outro grande
fator de angústia e infelicidade: o medo da morte.
Acostuma-te à ideia de que a morte para nós não é
nada, visto que todo bem e todo mal residem nas
sensações, e a morte é justamente a privação das
sensações. A consciência clara de que a morte não
significa nada para nós proporciona a fruição da vida
efêmera, sem querer acrescentar-lhe tempo infinito
e eliminando o desejo de imortalidade.
[...] quando estamos vivos, é a morte que não está
presente; ao contrário, quando a morte está presente,
nós é que não estamos. (Carta sobre a felicidade [a
Meneceu], p. 27-28.)
Eliminar ou moderar os desejos
epicuro também dizia que quem espera muito
sempre corre o risco de se decepcionar. Por isso,
ele recomendava que as pessoas eliminassem todos
os desejos desnecessários e se permitissem
apenas os naturais e necessários, mesmo assim
com moderação.
Detalhe de Jardim das del’cias (c. 1510) – hyeronimus bosch,
óleo sobre painel. nessa obra, repleta de simbolismo, o artista
retrata a humanidade totalmente entregue aos prazeres
sensoriais e carnais – agindo, portanto, de maneira contrária
aos preceitos epicuristas.
hieRonymus bosCh/museo Del PRADo, mADRi, esPAnhA
Atomista – relativo ao atomismo, doutrina filosófica
segundo a qual toda matéria é formada por átomos
(partículas minúsculas, eternas e indivisíveis).
Mecanicista – relativo ao mecanicismo, conceito
filosófico de que algo funciona de forma mecânica,
isto é, como uma máquina, obedecendo a relações
de causa e efeito.
26 Unidade 1 Filosofar e viver
isso significa fazer uma distinção entre os desejos,
que, para o filósofo, podiam ser classificados
em três tipos:
• naturais e necessários – como os desejos de
comer, beber e dormir;
• naturais e desnecessários – como os desejos de
comer alimentos refinados, tomar bebidas especiais
e caras e dormir em lençóis luxuosos etc.;
• não naturais e desnecessários – como os desejos
de riqueza, fama e poder.
Contentar-se com pouco seria o segredo do
prazer e da felicidade. Com a expectativa reduzida,
não há decepção, e um grande prazer pode advir de
um simples copo de água. gozar o prazer eventual
de um banquete ou de um cargo elevado não é
proibido, mas não deveria ser desejado sempre,
pois, mais cedo ou mais tarde, viriam a insatisfação,
o desprazer, a infelicidade.
agir com prudência racional
Como nem todos os prazeres contribuem para
uma vida feliz, como apontou epicuro, podemos concluir
que alguns prazeres são superiores a outros.
Por isso, o filósofo recomendava agir com prudência
racional, isto é, avaliar a ação de cada um deles.
se fizermos uma comparação entre os prazeres,
veremos que – conforme assinalou o filósofo – alguns
são mais duradouros e encantam o espírito,
como a boa conversação, a contemplação das artes
e a audição de música. Já outros, movidos pela explosão
das paixões, são muito intensos e imediatos,
mas perdem sua força com o passar do tempo.
esse discernimento nos possibilita realizar uma
escolha prudente e racional dos prazeres, evitando
aqueles que podem produzir infelicidade. Desse
modo, conquistamos a autarquia, isto é, o governo
da própria vida, sem depender de elementos
externos. e pela autarquia – conforme sustentou
epicuro – ascenderíamos à ataraxia, palavra de
origem grega que designa o estado de imperturbabilidade
da alma caracterizada pela indiferença
total ao que ocorre no mundo. esse seria o objetivo
último, a felicidade suprema dos epicuristas.
Estoicos: amor ao destino
outra perspectiva no caminho da felicidade foi
criada pelos estoicos, dando origem à corrente
filosófica antiga conhecida como estoicismo. essa
palavra deriva do grego stoá, “pórtico” ou “galeria
de colunas”. Trata-se de uma referência ao local
onde o primeiro filósofo dessa corrente, Zenão de
Cício (c. 335-264 a.C.), reunia os alunos e administrava
suas aulas. Para o estoico, é feliz aquele
que vive de acordo com a ordem cósmica, aceitando
e amando o próprio destino nela inscrito.
Como se explica essa ideia e qual é precisamente
o método estoico para a condução de uma
vida boa e feliz?
Compreender a ordem cósmica
o primeiro passo é entender a física ou cosmologia
estoica. o estoicismo concebe o universo
como kósmos, “universo ordenado e harmonioso”,
composto de um princípio passivo (a matéria) e de
um princípio ativo, racional, inteligente (o chamado
logos), que permeia, anima e conecta todas as
suas partes.
Princípio – aquilo que inicia, que funda; aquilo que
constitui a base, a fonte ou o ponto de partida de
coisas ou ideias.
esse princípio ativo ou inteligência universal –
que os estoicos chamavam de providência – regeria
toda a realidade, equivalendo ao que se pode
denominar Deus. se o Deus estoico permeia tudo,
isso significa que ele se encontra no mundo e se
confunde com ele, com a natureza (no jargão da
filosofia diz-se que Deus é imanente; o contrário
desse termo é transcendente, isto é, que está separado
do mundo e não se confunde com ele, como
é o caso do Deus cristão).
em outras palavras, tudo o que existe e que
acontece tem um objetivo e uma razão de ser,
pois faz parte da inteligência universal e divina.
Assim, tudo é necessário, ou seja, não pode ser
diferente do que é, pois, no kósmos, todos os
eventos estão organicamente predeterminados.
isso inclui a vida de cada um, o que quer dizer
que, na concepção estoica, cada pessoa nasce
com um destino definido.
Pela mesma razão, tudo o que acontece deve ser
bom, pois é animado pelo bem contido nos princípios
racionais que governam o universo (a providência).
o importante é a ordem do todo, da totalidade
do universo, o kósmos. isso quer dizer que, para os
estoicos, o bem do todo é melhor do que o bem
individual. Talvez possamos dizer que, para eles,
não há bem quando a pessoa se afasta do todo.
5. Faça uma lista abrangente de seus desejos.
Depois procure classificá-los de acordo com
a teoria de epicuro. Você acredita que, se desenvolvesse
o autocontrole e apenas desejasse
o que é natural e necessário, sofreria menos
ou seria mais feliz?
ConExõEs
Cap’tulo 1 A felicidade 27
Usar o poder da vontade
Com base nessa cosmologia, os estoicos
entendiam que é impossível sermos felizes se
acreditarmos que felicidade é ter tudo o que
desejamos (como geralmente se pensa). basta
que fracassemos em alcançar um desejo e nos
tornamos infelizes.
A esse respeito, ensinavam que há coisas
que dependem de nós e há outras que não dependem
de nós ou só de nós. Depende de nós,
por exemplo, elaborar um bom trabalho ou ser
bom e generoso; não depende de nós (ou só de
nós) ganhar na loteria ou conquistar o coração
da pessoa amada.
então, se existe uma ordem cósmica predeterminada
e se há coisas que não dependem
de nós, só nos resta aproveitar uma “brechinha”
de liberdade que o estoicismo nos deixa
para garantir nossa felicidade: a aplicação de
uma faculdade que todos temos – a vontade.
É a vontade que nos permite querer ou não
querer as coisas. Veja que nada nem ninguém
pode me obrigar a querer o que não quero, ou
a não querer o que quero. Podem me obrigar,
por exemplo, a ir a uma festa, inclusive me levar
à força até lá, mas não podem me fazer querer
ir a essa festa.
É desse modo, para os estoicos, que posso
construir minha felicidade: usando minha vontade
para querer apenas aquilo sobre o que tenho
poder, que depende de mim e que me faz verdadeiramente
feliz.
Controlar pensamentos e paixões
Com base nesse raciocínio, os estoicos procuraram
orientar a conduta das pessoas estabelecendo
a seguinte distinção entre as coisas:
• boas – são aquelas que dependem de nós e que
devemos querer e buscar durante a vida para
sermos felizes. Trata-se das virtudes, como ser
prudente, justo, corajoso;
• más – são as coisas que dependem de nós, mas
que, ao contrário, devemos evitar durante a vida
se queremos ser felizes. Trata-se dos vícios e das
paixões, como ser imprudente, injusto, covarde,
guloso, raivoso;
• indiferentes – são as que não dependem de nós
e com as quais não devemos nos preocupar, sob
pena de gerar infelicidade. É o caso da morte,
do poder, da saúde ou doença, da riqueza ou
pobreza, entre outras.
A infelicidade ocorre, portanto, segundo os
estoicos, quando não conduzimos corretamente
nossos pensamentos e não evitamos as chamadas
coisas más. ou quando nos preocupamos
com as tais coisas indiferentes (algo muito frequente),
o que conduz à formulação de juízos
errôneos ou opiniões equivocadas sobre os
acontecimentos e o consequente despertar de
paixões (isto é, de uma coisa má).
Por esse raciocínio, podemos concluir que a
paixão (pathos, em grego) é o resultado do uso
inadequado da razão, enquanto a virtude consiste
na ação que se desenvolve conforme a razão (ou
seja, conforme a natureza, pois a natureza, como
vimos, é logos, razão).
ilustração extraída da obra
A atmosfera meteorológica
popular (1888), de Camille
Flammarion. Para o
estoicismo, é preciso viver
conforme a ordem cósmica
contida na natureza e em
cada um de nós.
Album/Akg-imAges/lATinsToCk
28 Unidade 1 Filosofar e viver
Assim, dominar as paixões é o objetivo principal
da ética estoica. Para isso, o esforço em controlar
os pensamentos será fundamental, pois é o pensamento
equivocado que gera as condições para
o aflorar das paixões.
Veja o conselho de um pensador estoico grego,
Epiteto (55-135), que foi escravo em Roma durante
a maior parte de sua vida:
Lembra-te que não é nem aquele que te diz injúrias,
nem aquele que te bate, quem te ultraja, mas sim a
opinião que tens deles, e que te faz olhá-los como
gente por quem és ultrajado. Quando alguém te
magoa ou te irrita, saiba que não é aquele homem
que te irrita, mas sim tua opinião. Esforça-te, portanto,
acima de tudo, para não te deixar levar por
tua imaginação. (Citado em Bosch, A filosofia e a
felicidade, p. 103.)
o sábio, portanto, seria aquele que pensa corretamente,
de acordo com as exigências da razão
universal (ou seja, conforme a natureza), controla
seus pensamentos e evita as ilusões das paixões.
Desse modo, atinge a apatia (eliminação de paixões)
e a ataraxia (imperturbabilidade da alma).
e quem é imperturbável não tem tristeza, e sem
tristeza se é feliz.
amar o próprio destino
o domínio sobre os pensamentos e as paixões
seria a via negativa para atingir a felicidade. Diz-se
“negativa” porque se dá pela negação das paixões,
pela negação das causas da infelicidade. mas há
também um percurso positivo, o do amor fati, expressão
latina que significa “amor aos fatos, aos
acontecimentos”, como o próprio destino. Vejamos.
Como vimos antes, de acordo com o estoicismo,
tudo é animado pelos princípios racionais que governam
o universo, de tal maneira que tudo o que acontece
e não depende de mim é necessário e bom.
mesmo a morte de um ente querido, por exemplo,
deve ser tomada como um acontecimento bom, no
sentido de que faz parte da ordem universal.
Por isso, os estoicos entendiam que uma pessoa
não deve se revoltar por ter nascido com uma deficiência
física ou por ser feia, pobre ou até mesmo
escrava (recorde que a escravidão era algo bastante
comum e aceito como “natural” nas sociedades antigas).
Tudo isso não depende dela. A pessoa deve
não apenas aceitar o peso de seu destino, mas também
querê-lo, isto é, amar o que é, o que tem e o
que vive. Deve, enfim, compreender que faz parte
da totalidade e ter amor por seu destino (amor fati).
somente assim poderá ser feliz.
Parábola do velho do forte
Vejamos agora uma parábola, cuja autoria
é atribuída a lieh-Tsé (c. 300 a.C.),
pensador da escola taoista. o taoismo é
uma doutrina místico -filosófica chinesa
– formulada principalmente por lao-Tsé
no século Vi a.C. – que enfatiza a integração
do ser humano à realidade cósmica
primordial.
Desenho chinês do século XViii – artista
desconhecido. Conta-se que o grande
mestre do taoismo passou a ser chamado
de lao-Tsé (“homem Velho”) quando
era ainda um bebê, por já manifestar
grande sabedoria. De acordo com a lenda,
cansado da maldade em seu país, ele
partiu um dia para o ocidente cavalgando
sobre um búfalo, até nunca mais ser visto.
Coleção PARTiCulAR
Parábola – história (narrativa) curta
e figurativa (alegórica) contada com
o propósito de transmitir outra ideia,
mensagem ou ensinamento.
Cap’tulo 1 A felicidade 29
Um velho vivia com seu filho em um forte abandonado, no alto de um monte, e um dia perdeu um cavalo. Os
vizinhos vieram-lhe expressar seu pesar por esse infortúnio, e o velho perguntou:
– Como sabeis que é má sorte?
Poucos dias mais tarde voltou seu cavalo com um bando de cavalos selvagens, e vieram os vizinhos felicitá-lo
por sua boa sorte, e o velho respondeu:
– Como sabeis que é boa sorte?
Com tantas montarias a seu alcance, começou o filho a cavalgá-las, e um dia quebrou uma perna. Vieram os
vizinhos apresentar-lhes condolências, e o velho respondeu:
– Como sabeis que é má sorte?
No ano seguinte houve uma guerra, e, como o filho do velho era agora inválido, não teve de ir para a frente.
yutang, A importância de viver, p. 154.
6. Qual é o significado ou a mensagem da parábola anterior? É possível relacioná-la com o caminho estoico
da felicidade? Por quê?
ConExõEs
5. Como Platão concebia a realidade? Para ele tudo
era matéria?
6. Por que a tese de Platão sobre a alma humana é tão
importante para entender sua doutrina a respeito
da felicidade?
7. explique a fórmula conhecimento = bondade = felicidade,
tendo como referência o sistema platônico.
8. o que é virtude para Aristóteles? Crie exemplos
novos de virtude.
9. Para Aristóteles, a felicidade é uma combinação
de vida dedicada à contemplação teórica, aliada
à prática das outras virtudes humanas e sustentada
pelo bem-estar material e social. Analise
essa afirmação.
10. Qual é a ideia fundamental contida na metáfora
“uma andorinha não faz verão”? Por que Aristóteles
a utiliza?
11. Como epicuro concebia a realidade? Para ele
tudo é matéria? Como sua concepção da realidade
contribui para seu entendimento do que é
ser feliz?
12. É possível afirmar que a concepção de felicidade
de epicuro contrapõe-se à de Aristóteles e, especialmente,
à de Platão?
13. Como o estoico concebe a realidade? Tudo é matéria
para o estoico?
14. Qual é a importância da cosmologia estoica na
determinação de sua ética sobre a felicidade?
15. explique o papel da vontade e do controle sobre os
pensamentos na ética estoica.
16. Como é a felicidade que se alcança pela via do
amor fati?
análisE E EntEndimEnto
2. Felicidade para todos
Platão afirmou: “[...] ao fundarmos a cidade, não
tínhamos em vista tornar uma única classe eminentemente
feliz, mas, tanto quanto possível,
toda a cidade”.
Você acredita que a organização social que ele
propôs favorecia o cumprimento de seu desejo
de trazer a máxima felicidade para todos? essa
organização seria possível na sociedade brasileira?
Por quê? Debata com seus colegas sobre
esse tema.
3. Meu caminho ideal
Qual dos caminhos propostos pelos filósofos estudados
você considera o mais útil para que uma
pessoa construa uma vida feliz em nossos dias?
Por quê? ou o caminho ideal, para você, seria uma
combinação de elementos dessas doutrinas? Quais
seriam esses elementos?
exponha suas reflexões aos/às colegas, escute o
que dizem, argumente e contra-argumente. enfim,
troque ideias de maneira inteligente e respeitosa,
como em uma conversa filosófica.
ConvERsa FilosóFiCa
30 Unidade 1 Filosofar e viverFelicidAde
O bem que todos desejam
Experiência filosófica
A análise que fizemos da situação anterior teve
como propósito destacar dois processos básicos
que marcam, de modo geral, a experiência filosófica:
o estranhamento e o questionamento.
Estranhamento ou deslocamento
Trata-se do primeiro passo da experiência filosófica.
Quando uma pessoa vive uma circunstância
de deslocamento ou estranhamento, experimenta
uma quebra ou interrupção no fluir normal de sua
vida. Detém-se, então, para pensar ou observar algo
que antes não via, ou que vivia de forma automática,
sem se dar conta, sem atenção, sem se questionar.
Foi isso o que ocorreu com o médico durante
sua permanência com os xavantes. Tal circunstância
permitiu-lhe um distanciamento em relação
à sua vida na cidade e, provavelmente, um
contato com algumas de suas próprias crenças
sobre a felicidade.
Questionamento ou indagação
Trata-se do segundo passo da experiência filosófica.
Após viver o estranhamento, a pessoa
Visitante de museu na Alemanha observa a pintura Simonia
(dorsale), de nicola samori. na contemplação de uma obra
de arte também podemos vivenciar uma quebra no fluir
normal de nossas vidas.
inicia um processo de questionamento (interno e
externo) sobre o tema que lhe chamou a atenção.
Foi o que expressou o médico, em suas perguntas
ao índio: a primeira, com enfoque particular
(“você é feliz?”), cuja resposta corresponde
apenas a esse indivíduo; a segunda, de enfoque
geral ou universal (“o que é felicidade ou ser feliz?”),
cuja resposta deveria valer para todas as
experiências de felicidade dos seres humanos,
ou até mesmo independentemente destes (a felicidade
em si).
Certamente você já vivenciou, em algum momento,
questionamentos semelhantes após algum
acontecimento marcante em sua vida. Pode ter
sido durante uma viagem para um lugar distante e
distinto, na morte de um ser querido, em uma
grande decepção amorosa etc. e aí começou a se
questionar, mesmo que superficial e brevemente,
sobre sua vida e a existência em geral. Pois, então,
você estava tendo uma experiência filosófica, ainda
que rudimentar. estava dando os primeiros passos
no filosofar.
Resposta filosófica
Falta-nos, porém, um terceiro passo para
que haja uma experiência filosófica completa.
Prossigamos, então, em nossas descobertas.
na análise que fizemos da historieta inicial, a
principal questão encontrada foi a que envolve o
conceito de felicidade, formulada na pergunta “o
que é felicidade?”. Trata-se agora, portanto, de
construir uma resposta para essa questão.
Após uma reflexão serena e profunda, a
resposta a ser elaborada deverá constituir um
discurso, isto é, a enunciação de um raciocínio,
no qual as ideias deverão estar ordenadas
de maneira lógica no sentido de expressar um
entendimento sobre o problema e, na medida
do possível, encontrar uma “solução” para ele.
Além disso, esse discurso deverá ter um caráter
universal, isto é, pode ser aplicado a todos
os casos ou pessoas. essas são características
importantes de uma resposta filosófica.
isso quer dizer que as respostas filosóficas
não são “qualquer” resposta, pois filosofar não
é pensar de qualquer maneira, seja quando se
pergunta ou quando se responde (conforme veremos
de forma mais detalhada nos próximos
capítulos).
JAn-PhiliPP sTRobel/DPA/CoRbis/FoToARenA
Cap’tulo 1 A felicidade 17
esse terceiro passo para constituir uma experiência
filosófica completa não foi dado em nossa
historieta. ela não apresenta uma resposta com
tais características. Ao contrário, a resposta de
Rupawe chega a provocar em nós, leitores, certo
efeito cômico, pela ingenuidade e aparente contradição
do índio ao se declarar feliz e, ao mesmo
tempo, não saber o que é felicidade.
Veja, porém, que essa ironia é profundamente
filosófica, pois não é verdade que, com frequência,
temos uma compreensão particular, intuitiva e
experiencial de alguma coisa ou dimensão de
nossa existência (como a felicidade, o amor, o desejo),
mas não um entendimento conceitual mais
amplo e abstrato dela? essa é uma experiência
constante de nosso cotidiano: conhecemos algo,
sentimos algo, vivemos algo, mas temos dificuldade
para defini-lo.
Ironia – em literatura, uso de palavras ou situações
incongruentes ou contraditórias, com efeito crítico
ou humorístico.
será fácil, porém, definir a felicidade nesses
termos? não, assim como não é fácil responder
grande parte dos temas tratados pelos filósofos
em toda a história da filosofia. Tanto que existe
muita discordância entre eles, que deram respostas
diferentes, com frequência contrárias –
embora brilhantes –, para as mesmas questões.
e muitas vezes, ao respondê-las, despertaram
novos problemas, sobre os quais se debruçariam
as gerações seguintes.
Assim, como veremos ao longo deste livro, em
filosofia não existem respostas definitivas, no
sentido de convencer a todos e “acabar com a
discussão” (embora seja isso o que pretende e
acredita ter alcançado boa parte daqueles que se
lançam nessa tarefa). os temas filosóficos são os
temas fundamentais da existência humana, mas
as pessoas muitas vezes têm experiências distintas,
suas vidas mudam e as sociedades também.
Por isso, costuma-se dizer que a filosofia é uma
contínua conversação.
1. Recorde um momento de sua vida que fez você parar para pensar. Depois elabore um texto sobre essa
si tuação que contenha estes elementos:
a) lugar onde ocorreu a situação, data, pessoas envolvidas, diálogos, sensações, emoções;
b) problema (dúvidas ou perguntas que essa situação despertou em você à época);
c) respostas a que chegou então (se chegou a alguma);
d) crítica: em que sua reflexão pode ser melhorada hoje, no sentido de torná-la uma resposta mais filosófica?
ConExõEs
Felicidade e sabedoria
Voltando ao nosso tema, a felicidade, talvez você já esteja pensando: “Até aqui eu entendi. mas por que
começamos um livro de filosofia falando de felicidade? Afinal, qual é a relação entre felicidade e filosofia?”.
Pois bem, a relação é histórica, isto é, vem desde o nascimento da atividade filosófica na Antiguidade
grega, há mais de 25 séculos. Como a própria etimologia revela, a palavra filosofia é formada pelos termos
gregos philos, “amigo”, “amante”, e sophia, “sabedoria”. Portanto, filosofia quer dizer “amor à sabedoria”.
e sabedoria, para os gregos, não era apenas um grande saber teórico, mas principalmente prático, tendo
em vista que buscava atender ao que consideravam o objetivo supremo da vida humana: a felicidade.
Assim, a filosofia apresentava-se como um conhecimento superior que conduzia à vida boa, isto é, que
indicava como viver para ser feliz. e o filósofo se reconhecia
como aquele que buscava, praticava e ensinava um
método, um caminho para a felicidade.
As artes da paz (1893) – gari melchers.
observe a obra e reflita sobre a
importância do conhecimento nessa
pintura mural. Trata-se de uma
representação moderna do mundo
antigo. A estátua reverenciada é de
Palas Atena, deusa da sabedoria,
das artes e da guerra.
minneAPolis insTiTuTe oF ARTs, minnesoTA, euA
18 Unidade 1 Filosofar e viver
Origem da palavra filosofia
Conforme a tradição histórica, a palavra filosofia foi usada pela
primeira vez pelo pensador grego Pitágoras (c. 570-490 a.C.),
quando o príncipe leonte perguntou-lhe sobre a natureza de sua
sabedoria. Pitágoras respondeu: “sou apenas um filósofo”. Com
essa resposta, pretendia esclarecer que não detinha a posse da
sabedoria. Assumia a posição de “amante do saber”, isto é, alguém
que quer, ama e deseja o saber.
Com o decorrer do tempo, entretanto, a palavra filosofia foi
ganhando um significado mais específico, passando a designar a
busca de um tipo especial de sabedoria: aquela que nasce do uso
metódico da razão, da investigação racional.
Finalidade última da filosofia
em sua origem histórica, a relação da filosofia
com a felicidade era fundamental, pois a vida boa
seria a finalidade última da investigação filosófica.
Para que você entenda bem o que queremos dizer
com “finalidade última” de uma ação, observe a
seguinte sequência de perguntas:
• Filosofar para quê?
Para pensar melhor sobre tudo: os fatos, as pessoas,
a vida.
• Pensar melhor sobre tudo para quê?
Para encontrar soluções aos problemas da existência
– a minha e a de outras pessoas.
• encontrar essas soluções serve para quê?
Para ter menos problemas, ficar mais tranquilo
e viver melhor.
• Viver melhor para quê?
Para me sentir bem, em paz comigo mesmo e
com o mundo.
• sentir-se assim para quê?
Para ser feliz.
• ser feliz para quê?
não sei. Talvez para deixar as pessoas que me
cercam felizes também.
• Deixá-las felizes para quê?
Para que eu fique feliz com a felicidade delas.
Vemos que, no final, as respostas começam a ser
circulares. Voltam sempre ao mesmo ponto, ou seja,
à ideia desse sentimento de bem-estar, de satisfação
consigo mesmo e com a vida, ligada também à sensação
de plenitude, de já ter tudo e não precisar de
mais nada. essa é uma boa descrição da felicidade.
Portanto, finalidade última é aquela que está
por detrás de todas as finalidades mais imediatas e
conscientes de uma ação. geralmente inconsciente,
ela é o motivo fundamental de uma conduta.
Finalidade última de todos os atos
usando da mesma lógica contida nessa sequência
de perguntas, podemos supor que a felicidade
é igualmente a finalidade última de todos
os nossos atos, mesmo de ações que parecem
“ruins” por algum tempo, ou daquelas que realmente
nos fazem mal e aos outros. É que, no
fundo – conforme acreditam vários filósofos e
psicólogos –, a intenção última de toda ação ou
conduta é “positiva” no sentido de que, consciente
ou inconscientemente, a pessoa está buscando,
por meio dessa ação, trazer, preservar, aumentar
seu bem-estar, ou mesmo evitar, acabar com uma
dor, um sofrimento, uma tristeza.
É o caso, por exemplo, do jovem que “malha” todos
os dias na academia para alcançar uma boa
condição física, que “racha” de estudar para passar
no vestibular ou que realiza trabalhos voluntários
em sua escola ou comunidade. são esforços, “sacrifícios”,
ações em que se abandona o prazer imediato
em busca de um bem maior, uma alegria.
Parece que a felicidade funciona como um ímã
oculto que atrai as pessoas com seu magnetismo,
impulsionando seus movimentos, suas ações.
beTTmAnn/CoRbis/FoToARenA
Pitágoras.
o filósofo e matemático
grego ensinava que a
música é um remédio
para a alma.
Razão – faculdade (capacidade) da
mente à qual corresponde o raciocínio
(ou encadeamento lógico das ideias)
e a possibilidade de compreender
intelectualmente as coisas. opõe-se,
nesse sentido, à compreensão que
advém das sensações e da sensibilidade.
Cap’tulo 1 A felicidade 19
sem a perspectiva do bem que traz uma ação, ela
perde seu sentido, e o magnetismo se desfaz.
mas, quando temos essa perspectiva do bem que
queremos e o alcançamos, vivemos um estado
de satisfação com nossa situação no mundo.
Aliás, a etimologia revela que a palavra felicidade
vem do latim felicitas, que, por sua vez, deriva
do latim antigo felix, que significa “fértil, frutuoso,
fecundo” (cf. AbbAgnAno, Dicionário de filosofia).
Felicidade é, portanto, um estado de fecundidade
que gera vida e vitaliza nossa existência.
no entanto, a busca da felicidade também está
por detrás de muitos comportamentos autodestrutivos,
como a dependência das drogas, do álcool e
do tabaco, ou antissociais, como a violência e a delinquência,
sem falar no simples egoísmo e na falta
de consideração pelos demais.
Assim, afirmar que a felicidade é a finalidade
última de todos os atos não é dizer que todo e
qualquer ato traz felicidade. Como você já deve ter
experimentado, muitas vezes o que se obtém é o
oposto: buscamos felicidade e acabamos conseguindo
infelicidade. Por isso é tão importante desenvolver
um conhecimento mais crítico sobre o
mundo, sobre as coisas. Como diz o ditado popular:
“nem tudo o que reluz é ouro”.
“nem tudo é dias de sol, /
e a chuva, quando falta muito,
pede-se. / Por isso tomo a
infelicidade com a felicidade /
naturalmente, como quem não
estranha / Que haja montanhas
e planícies / e que haja rochedos
e erva...” (PessoA, O guardador
de rebanhos, p. 14.)
JusTin PAgeT/CoRbis/FoToARenA
1. explique as três etapas básicas de uma experiência
filosófica.
2. Por que se diz que existe uma relação histórica
entre felicidade e filosofia?
3. Disserte sobre o conceito de finalidade última.
4. o que é a felicidade para você? em que situações
concretas de sua vida você experimentou esse
estado?
análisE E EntEndimEnto
1. Finalidade oeltima
“A felicidade é a finalidade última de todos os
nossos atos.” Você concorda com essa afirmação?
não poderia ser, por exemplo, o amor,
o crescimento espiritual ou mesmo a riqueza
material? Debata sobre esse tema com seus
colegas, procurando:
a) expor sua opinião e escutar atentamente a dos
demais;
b) questionar, com argumentos e de maneira respeitosa,
as opiniões das quais você discorda ou
que não entendeu direito;
c) apoiar, com argumentos, aquelas de que
você gostou, complementando-as, se achar
necessário.
ConvERsa FilosóFiCa
20 Unidade 1 Filosofar e viver
como viver pArA ser Feliz?
O que disseram os sábios gregos
humanidade dedica-se regularmente e com
avidez a eles;
• saúde – valorizada por muitos, principalmente
quando falta, mas perseguida pelos mais moderados
ou disciplinados;
• amor e amizade – considerados importantes pela
maioria, mas com frequência relegados a um
segundo plano em termos de prioridade.
Pressupõe-se que a carência de uma dessas
fontes possa explicar a infelicidade de alguém. o
curioso é que, com frequência, pessoas que desfrutam
de tudo isso não se sentem felizes, ou são
infelizes por tê-las em excesso. Como explicar
isso? Dependerá a felicidade de outros fatores
mais essenciais? Variará de pessoa para pessoa?
em uma primeira análise, podemos perceber na
lista acima uma tendência em considerar a felicidade
como o resultado de fatores predominantemente materiais
e externos que afetam a vida de um indivíduo:
bens, dinheiro, reconhecimento do meio social, prazeres
ditos “carnais”, ausência de doenças. As circunstâncias
internas, sua vida interior, não contariam
tanto, nem a coletividade em que vive esse indivíduo.
Diferindo da tendência geral, a maioria dos filósofos
– especialmente os gregos antigos – propôs
caminhos mais comportamentais e intelectuais
(ou espirituais) para a obtenção da felicidade verdadeira.
Alguns deles também empregaram uma
perspectiva menos individualista, concebendo a felicidade
como resultado de um processo coletivo,
alcançado em conjunto com a comunidade.
Dois amiguinhos observam o dia chuvoso na fronteira entre
bangladesh e Índia.
Avancemos um pouco mais em nossa investigação
sobre a felicidade, colocando-nos agora
algumas questões:
• se o que nos move é, em última instância, o desejo
de ser feliz, mas nem todo ato traz felicidade,
como alcançar nosso objetivo?
• Considerando a fragilidade e a vulnerabilidade
humanas, como devemos agir para levar uma
vida feliz ou, ao menos, não infeliz?
• Quais são as fontes da felicidade?
É aí que entra em cena o sábio, o filósofo. Como
ficará mais claro adiante, responder de forma filosófica
a essas questões envolve primeiramente
formar uma ideia bem fundamentada sobre muitos
outros temas: como é o mundo, quem somos
nós, que lugar ocupamos no mundo, como conhecemos
as coisas, que sentido tem a existência de
cada um e muitos outros problemas filosóficos.
Todas essas respostas devem ser coerentes entre
si, formando um sistema.
Sistema – conjunto de elementos em que um
depende do outro, compondo um todo orgânico,
coerente e organizado.
Assim, ao tentar responder a essas e outras perguntas,
os sábios da grécia antiga, nossos primeiros
filósofos (do mundo ocidental), acabaram elaborando
sistemas filosóficos distintos, com explicações
que procuraram abarcar toda a complexidade do
universo natural e humano. Veremos, logo mais, algumas
dessas respostas. Antes, porém, abordemos
o tema das fontes de felicidade, para formar um
mapa prévio, orientador.
Fontes da felicidade
Que elementos, condições ou coisas tornam
um indivíduo feliz? De acordo com textos antigos,
os elementos mais desejados e perseguidos pelas
pessoas em geral durante a Antiguidade eram (e
você perceberá que continuam sendo):
• bens materiais e riqueza – sempre estiveram
entre as fontes mais cobiçadas e pelas quais as
pessoas mais se esforçam;
• status social, poder e glória – pode-se até matar
por eles, mesmo quando as pessoas não são tão
conscientes do valor que lhes dão;
• prazeres da mesa e da cama – fontes básicas do
bem-estar corporal e emocional, boa parcela da
mohAmmAD musTAFizuR RAhmAn/momenT/geTTy imAges
Cap’tulo 1 A felicidade 21
Aprender a pensar com os filósofos
Veremos em seguida algumas das principais doutrinas sobre a felicidade, concebidas pelos pensadores
da grécia antiga. Conhecer o que pensaram filósofos de outras épocas e pensar junto com eles pode ser
interessante e fecundo – e “facilita” nossa vida, pois podemos aproveitar o caminho aberto e depois tomar
nosso próprio rumo, sem perder tempo “reinventando a roda”.
Além do que se ganha em compreensão, conhecimento de si e dos outros por intermédio das grandes
obras da tradição, é preciso saber que elas podem simplesmente ajudar a viver melhor e mais livremente. [...]
Aprender a viver, aprender a não mais temer em vão as diferentes faces da morte, ou, simplesmente, a
superar a banalidade da vida cotidiana, o tédio, o tempo que passa, já era o principal objetivo das escolas
da Antiguidade grega. A mensagem delas merece ser ouvida, pois, diferentemente do que acontece na
história da ciência, as filosofias do passado ainda nos falam.
Ferry, Aprender a viver: filosofia para os novos tempos, p. 16-17.
Você verá neste livro que alguns pensadores forjaram, por vezes, visões de mundo bastante diferentes
da nossa (ou da sua), mas que ainda fazem algum (ou muito) sentido no mundo atual. notará também
que algumas de suas concepções tornaram-se amplamente aceitas e incorporaram-se ao cotidiano de
grande parte das pessoas – ou de certos grupos sociais – mesmo que de forma transparente e sutil.
outras vezes, porém, perceberá que muitas delas ainda são polêmicas, fazendo parte dos debates das
sociedades contemporâneas.
Publicidade de shopping center mexicano em uma
revista sobre moda. A propaganda busca com
frequência – por meio de imagens e mensagens
subliminares – criar nas pessoas necessidades
que elas não teriam se não fossem bombardeadas
incessantemente pelas campanhas publicitárias.
observação
A investigação sobre o tema da felicidade
pertence mais especificamente
a um ramo da filosofia conhecido
pelo nome de ética (que será estudado
com mais detalhes no capítulo
18). A ética trata de um universo de
questões ligadas ao dever, isto é,
como devemos agir em geral ou em
relação a problemas específicos.
AnTARA
2. observe a imagem ao lado e reflita:
a) Qual é a mensagem dessa propaganda?
Você acredita que só é
feliz quem vive assim, de acordo
com esse modelo? Por quê?
b) o que você considera como fontes
fundamentais para sua felicidade
pessoal?
ConExõEs
22 Unidade 1 Filosofar e viver
Platão: conhecimento
e bondade
no grego antigo, várias palavras traduziam
distintos aspectos da felicidade. A principal delas
era eudaimonia, derivada dos termos eu (“bem-
-disposto”) e daimon (“poder divino”). Trata-se da
felicidade entendida como um bem ou poder concedido
pelos deuses. subentendia-se que, para
mantê-la, a pessoa deveria conduzir sua vida de
tal maneira a não se indispor com as divindades,
para o que era preciso sabedoria. mesmo assim,
ainda corria o risco de perder esse bem ou poder
se os deuses assim o desejassem, por qualquer
motivo arbitrário.
isso significa que a felicidade era tida como uma
espécie de fortuna ou acaso – enfim, um bem instável
que dependia tanto da conduta pessoal, como
da boa vontade divina (cf. LAurioLA, De eudaimonia à
felicidade..., Revista Espaço Acadêmico, n. 59).
Platão (427-347 a.C.) – considerado por boa
parte dos estudiosos o primeiro grande filósofo
ocidental, juntamente com seu mestre, sócrates –
foi um dos principais pensadores gregos a se lançar
contra essa instabilidade, em busca de uma felicidade
estável, postura que caracterizará de forma
marcante a ética eudemonista grega. (Veja a biografia
de Platão no capítulo 12. Distintos aspectos
de seu pensamento serão abordados também em
várias outras partes deste livro.)
no entendimento de Platão, o mundo material
– aquele que percebemos pelos cinco sentidos – é
enganoso. nele tudo é instável e por meio dele não
pode haver felicidade. Por isso, para esse filósofo, o
caminho da felicidade é o do abandono das ilusões
dos sentidos em direção ao mundo das ideias, até
alcançar o conhecimento supremo da realidade,
correspondente à ideia do bem.
o que isso significa e como devemos agir para
alcançar essa condição?
Harmonizar as três almas
Para entender a concepção platônica de felicidade,
precisamos compreender primeiramente
sua doutrina sobre a alma humana, contida na
obra A República. Para Platão, o ser humano é essencialmente
alma, que é imortal e existe previamente
ao corpo. A união da alma com o corpo é
acidental, pois o lugar próprio da alma não é o
mundo sensível, e sim o mundo inteligível. A
alma se dividiria em três partes:
• alma concupiscente – situada no ventre e ligada
aos desejos carnais;
• alma irascível – situada no peito e vinculada às
paixões;
• alma racional – situada na cabeça e relacionada
ao conhecimento.
A vida feliz de uma pessoa dependeria da devida
subordinação e harmonia entre essas três almas.
A alma racional regularia a irascível, e esta controlaria
a concupiscente, sempre com a supervisão da
parte racional. há, portanto, uma primazia da parte
racional sobre as demais.
Para apoiar essa tarefa, Platão propunha duas
práticas:
• ginástica – conjunto de exercícios e cuidados
físicos por meio dos quais a pessoa aprendia
a disciplina e o domínio sobre as inclinações
negativas do corpo; e
• dialética – método de dialogar praticado por
sócrates (conforme veremos no capítulo 3), pelo
qual cada pessoa poderia ascender progressivamente
do mundo sensível (que Platão considerava
ilusório) ao mundo inteligível (que ele
considerava verdadeiro).
Pintura sobre vaso etrusco fabricado em sèvres (c. 1827-1832)
– Percier/beranger (Coleção particular). Representa uma
corrida entre jovens gregos em aula de educação física.
na grécia antiga, a educação das crianças – ou paideia
(do grego paidos, “criança”) – passou por várias etapas de
desenvolvimento. À época de Platão, meninos entre 7 e
14 anos (meninas não) recebiam aulas de ginástica e música.
Também aprendiam gramática e a recitar de cor poemas
antigos, que eram fonte importante de conteúdo moral
(cf. JAeger, Paidea – a formação do homem grego).
mAssimo lisTRi/CoRbis/FoToARenA
Eudemonista – relativo à felicidade ou que tem a
felicidade como valor fundamental ou principal objetivo.
Inteligível – que só pode ser apreendido pelo intelecto,
por oposição ao sensível, isto é, que só pode ser
apreendido pelos sentidos.
Concupiscente – que está relacionado com a
concupiscência, isto é, o desejo de prazeres carnais.
Irascível – que é propenso a experimentar a ira, a raiva.
Capítulo 1 A felicidade 23
Conhecer o bem
Por meio dessas práticas – especialmente da
dialética – a alma humana penetraria o mundo inteligível,
também conhecido como mundo das
ideias, e se elevaria sucessivamente, mediante a
contemplação das ideias perfeitas, até atingir a
ideia suprema, que é a ideia do bem. Para Platão,
as ideias perfeitas seriam a realidade verdadeira,
e compreendê-las significava, portanto, alcançar
o grau máximo de conhecimento.
Por que a supremacia da ideia do bem? Porque
o bem, segundo o filósofo, seria a causa de todas
as coisas justas e belas que existem, incluindo as
outras ideias perfeitas, como justiça, beleza, coragem.
sem o bem não há nenhuma delas, inclusive a
ideia perfeita de felicidade. (Voltaremos a estudar a
teoria do mundo das ideias no capítulo 12.)
em resumo, podemos dizer que, para Platão, a
felicidade é o resultado final de uma vida dedicada
a um conhecimento progressivo até se atingir a ideia
do bem, o que poderia ser sintetizado na seguinte
fórmula: conhecimento = bondade = felicidade.
As três coisas, quando ocorrem em sua máxima
expressão, andariam sempre juntas, mas o caminho
partiria do conhecimento.
Além disso, para Platão, a ascensão dialética
equivaleria não apenas a uma elevação cognoscitiva
(isto é, do conhecimento), mas também a uma
evolução do ser da pessoa (evolução ontológica, no
jargão filosófico). simplificando bastante, podemos
dizer que aquele que alcança o conhecimento verdadeiro
(que culmina com a ideia do bem) torna-se
um ser “melhor” em sua essência e, por isso, pode
viver mais feliz.
Construir o bem de todos
Platão, no entanto, tinha como motivação fundamental
de seu filosofar o âmbito político: para
ele, a política era a mais nobre das atividades e
de todas as ciências, pois tinha como objeto a pólis
(cidade-estado grega) e, portanto, a vida do
conjunto dos cidadãos. Por isso, seu projeto político-
filosófico visou à construção de uma sociedade
justa, isto é, aquela que promovesse o bem
de todos (o bem comum):
[...] ao fundarmos a cidade, não tínhamos em vista tornar
uma única classe eminentemente feliz, mas, tanto quanto
possível, toda a cidade. De fato, pensávamos que só
numa cidade assim encontraríamos a justiça e na cidade
pior constituída, a injustiça [...]. Agora julgamos modelar
a cidade feliz, não pondo à parte um pequeno número
dos seus habitantes para torná-los felizes, mas considerando-
a como um todo [...] (A República, p. 115-116).
Com esse propósito, em sua obra denominada
A República, o filósofo idealizou uma sociedade
organizada em torno de três atividades básicas:
produção dos bens materiais e de alimentos, defesa
da cidade e administração da pólis (tema que
será estudado mais detidamente no capítulo 19).
Dentro dessa organização, a cada cidadão caberia
uma função social (produtor, guerreiro ou sábio),
e esta seria definida de acordo com sua própria
natureza, isto é, a aptidão inata a cada pessoa.
A identificação dessa aptidão natural ou vocação
se faria durante o processo educativo. A educação
seria igual para todos os jovens. Aqueles
que se revelassem os mais sábios seriam destinados
à administração pública. e, como os filósofos
eram os mais sábios entre os mais sábios (os
conhecedores do caminho da felicidade), seriam
eles os governantes da cidade.
Dentro dessa organização, conforme concebeu
Platão, cada um já seria feliz pelo simples
fato de cumprir a função para a qual é mais apto
por natureza (concepção grega à qual voltaremos
mais adiante).
aristóteles: vida teórica
e prática
na história da filosofia, ocorre frequentemente
que um discípulo acabe não sendo um seguidor
fiel das doutrinas de seu mestre e até se oponha a
ele em vários aspectos, desenvolvendo um pensamento
independente e original.
É o caso de Aristóteles (384-322 a.C.), que refutou
a teoria do mundo das ideias, pilar da filosofia
platônica, propondo um pensamento que, embora
valorizasse a atividade intelectual, teórica e contemplativa
como fundamental, resgatava o papel dos
bens humanos, terrenos, materiais para alcançar
uma vida boa (distintos aspectos do pensamento de
Aristóteles serão abordados no capítulo 12 e em
outras partes deste livro).
Qual foi, então, o método proposto pelo filósofo?
3. Praticar ginástica ou alguma atividade física
disciplinada faz você sentir-se bem? Você
percebe resultados concretos em termos de
bem-estar físico, emocional e mental? Procure
relacionar suas observações com a teoria
platônica sobre a felicidade.
ConExõEs
24 Unidade 1 Filosofar e viver
Exercitar a contemplação
em sua obra dedicada ao tema da ética, Aristóteles
apresenta a seguinte explicação:
[...] o que é próprio de cada coisa é, por natureza,
o que há de melhor e de aprazível para ela; e, assim,
para o homem a vida conforme a razão é a melhor
e a mais aprazível, já que a razão, mais que qualquer
outra coisa, é o homem. Donde se conclui que essa
vida é também a mais feliz (Ética a Nicômaco, p. 190).
Para que você entenda esse raciocínio, vamos
expor, mesmo que resumidamente, a argumentação
que sustenta a tese do filósofo sobre a felicidade:
• Aristóteles afirmava que um ser só alcança seu
fim quando cumpre a função (ou faculdade) que
lhe é própria e o distingue dos demais seres,
isto é, sua virtude (ou, em grego, aretŽ).
• A palavra virtude é entendida aqui como a propriedade
mais característica e essencial de um
ser, aquela cujo exercício conduz à excelência
ou perfeição desse ser, trazendo-lhe prazer.
Por exemplo: a virtude de uma faca é o seu
corte, de uma laranjeira é produzir laranjas, de
um dentista é tratar dos dentes.
• o ser humano, por sua vez, dispõe de uma
grande quantidade de funções ou faculdades
(caminhar, correr, comer, sentir, dormir, desejar,
obrar, amar etc.), mas outros animais podem
possuí-las também. há, porém, uma única
faculdade que ele possui com exclusividade
e que o distingue dos demais seres: o pensar
de forma racional. essa seria, portanto, sua
virtude essencial.
• Assim, o ser humano só alcançará seu fim e
bem supremo (a felicidade) se atuar conforme
sua virtude, que é a razão.
mas preste atenção: para Aristóteles, não
basta ter uma virtude (a racionalidade) – é preciso
exercitá-la. o ser humano precisa esforçar-se
para realizar aquilo que lhe é dado pela natureza
como potência (possibilidade de ser). Portanto, o
que o filósofo preconizava era que, para atingir a
felicidade verdadeira, o ser humano deveria dedicar-
se fundamentalmente à vida teórica, no
sentido de uma contemplação intelectual, buscando
observar a beleza e a ordem do cosmo, a
autêntica realidade das coisas. e deveria manter
essa prática durante a vida inteira, e não apenas
em um ou outro dia,
[...] porquanto uma andorinha não faz verão, nem
um dia tampouco; e da mesma forma um dia, ou um
breve espaço de tempo, não faz um homem feliz e
venturoso. (Ética a Nicômaco, p. 16.)
Praticar outras virtudes
sem tirar os pés do chão, no entanto, Aristóteles
dizia também que não se pode abandonar a
companhia da família e dos amigos, a riqueza e o
poder. Todos esses elementos, e o prazer que deles
resulta, promoveriam o bem-estar material e
a paz social, indispensáveis à vida contemplativa.
o sábio não poderá dedicar-se à contemplação
se, por exemplo, não houver alimentos, se seus
filhos chorarem de fome e se a cidade toda estiver
em pé de guerra.
Além do mais, o gozo de tais prazeres estaria
vinculado ao exercício de outras virtudes humanas
– como a generosidade, a coragem, a cortesia e a
justiça – que, em seu conjunto, contribuiriam para
a felicidade completa do ser humano.
Portanto, na ética aristotélica, embora o exercício
contínuo de uma vida teórica seja essencial
(condição necessária, no jargão filosófico) para
uma pessoa alcançar a vida feliz, isso não basta
(não é condição suficiente). em resumo, a felicidade
seria uma vida dedicada à contemplação teórica,
aliada à prática das outras virtudes humanas e
sustentada pelo bem-estar material e social.
Platão em estado contemplativo, meditando sobre a
imortalidade (1874) – autor desconhecido. (Coleção particular.)
beTTmAnn/CoRbis/FoToARenA
4. Destaque, entre os elementos propostos por
Aristóteles para uma vida feliz, aqueles que
você considera condição necessária para sua
felicidade. Para você há algum que, além de
necessário, é condição suficiente para ser
feliz? Qual? Justifique sua resposta.
ConExõEs
Capítulo 1 A felicidade 25
Epicuro: o caminho do prazer
Apesar das diferenças entre as duas abordagens
anteriores, você já deve ter notado que elas
não são tão distintas assim, pois tanto Platão como
Aristóteles, por caminhos diversos, valorizam muito
o papel do intelecto para obter uma vida feliz.
Resposta realmente distinta foi a de Epicuro
(341-271 a.C.), que recomendava o caminho do
prazer. Para o filósofo, felicidade é o prazer resultante
da satisfação dos desejos, como crê a maioria
das pessoas. mas o que epicuro quer dizer com
isso é que a felicidade é fundamentalmente prazer,
pois para ele tudo no mundo é matéria e, no ser
humano, sensação, inclusive a felicidade. Assim,
ser feliz é sentir prazer.
Com base nessa visão sensualista (baseada nas
sensações), epicuro dirá que todos os seres buscam
o prazer e fogem da dor e que, para sermos
felizes, devemos gerar, primeiramente, as condições
materiais e psicológicas que nos permitam
experimentar apenas o prazer na vida. e prazer,
para ele, é sobretudo ausência de dor, conforme
veremos adiante.
Que estratégias o filósofo propõe para evitar
a dor?
Eliminar certas crenças
uma das principais causas de angústia e infelicidade,
segundo epicuro, são as preocupações religiosas
e as superstições. ele se refere, aqui, ao
temor que certas crenças e religiões nos impõem.
Por exemplo, os gregos temiam muito ofender
seus deuses e serem terrivelmente punidos por
eles. Também viviam sob o pavor de que forças divinas
interferissem em suas vidas, mudando sua
sorte ou tirando-lhes os seres queridos.
Todo esse sofrimento poderia ser evitado,
segundo o filósofo, se as pessoas compreendessem
que o universo inteiro é constituído de matéria,
inclusive a alma humana. Veriam que tudo o que
acontece pode ser explicado pelo movimento
aleatório dos átomos, que produz forças cegas e
indiferentes ao destino humano. Aqui epicuro segue
a teoria atomista e mecanicista de outro filósofo
grego, Demócrito (460-370 a.C.), que estudaremos
adiante (no capítulo 11).
mediante essa compreensão materialista do
universo e do ser humano, epicuro sustentava que
as pessoas também se livrariam de outro grande
fator de angústia e infelicidade: o medo da morte.
Acostuma-te à ideia de que a morte para nós não é
nada, visto que todo bem e todo mal residem nas
sensações, e a morte é justamente a privação das
sensações. A consciência clara de que a morte não
significa nada para nós proporciona a fruição da vida
efêmera, sem querer acrescentar-lhe tempo infinito
e eliminando o desejo de imortalidade.
[...] quando estamos vivos, é a morte que não está
presente; ao contrário, quando a morte está presente,
nós é que não estamos. (Carta sobre a felicidade [a
Meneceu], p. 27-28.)
Eliminar ou moderar os desejos
epicuro também dizia que quem espera muito
sempre corre o risco de se decepcionar. Por isso,
ele recomendava que as pessoas eliminassem todos
os desejos desnecessários e se permitissem
apenas os naturais e necessários, mesmo assim
com moderação.
Detalhe de Jardim das del’cias (c. 1510) – hyeronimus bosch,
óleo sobre painel. nessa obra, repleta de simbolismo, o artista
retrata a humanidade totalmente entregue aos prazeres
sensoriais e carnais – agindo, portanto, de maneira contrária
aos preceitos epicuristas.
hieRonymus bosCh/museo Del PRADo, mADRi, esPAnhA
Atomista – relativo ao atomismo, doutrina filosófica
segundo a qual toda matéria é formada por átomos
(partículas minúsculas, eternas e indivisíveis).
Mecanicista – relativo ao mecanicismo, conceito
filosófico de que algo funciona de forma mecânica,
isto é, como uma máquina, obedecendo a relações
de causa e efeito.
26 Unidade 1 Filosofar e viver
isso significa fazer uma distinção entre os desejos,
que, para o filósofo, podiam ser classificados
em três tipos:
• naturais e necessários – como os desejos de
comer, beber e dormir;
• naturais e desnecessários – como os desejos de
comer alimentos refinados, tomar bebidas especiais
e caras e dormir em lençóis luxuosos etc.;
• não naturais e desnecessários – como os desejos
de riqueza, fama e poder.
Contentar-se com pouco seria o segredo do
prazer e da felicidade. Com a expectativa reduzida,
não há decepção, e um grande prazer pode advir de
um simples copo de água. gozar o prazer eventual
de um banquete ou de um cargo elevado não é
proibido, mas não deveria ser desejado sempre,
pois, mais cedo ou mais tarde, viriam a insatisfação,
o desprazer, a infelicidade.
agir com prudência racional
Como nem todos os prazeres contribuem para
uma vida feliz, como apontou epicuro, podemos concluir
que alguns prazeres são superiores a outros.
Por isso, o filósofo recomendava agir com prudência
racional, isto é, avaliar a ação de cada um deles.
se fizermos uma comparação entre os prazeres,
veremos que – conforme assinalou o filósofo – alguns
são mais duradouros e encantam o espírito,
como a boa conversação, a contemplação das artes
e a audição de música. Já outros, movidos pela explosão
das paixões, são muito intensos e imediatos,
mas perdem sua força com o passar do tempo.
esse discernimento nos possibilita realizar uma
escolha prudente e racional dos prazeres, evitando
aqueles que podem produzir infelicidade. Desse
modo, conquistamos a autarquia, isto é, o governo
da própria vida, sem depender de elementos
externos. e pela autarquia – conforme sustentou
epicuro – ascenderíamos à ataraxia, palavra de
origem grega que designa o estado de imperturbabilidade
da alma caracterizada pela indiferença
total ao que ocorre no mundo. esse seria o objetivo
último, a felicidade suprema dos epicuristas.
Estoicos: amor ao destino
outra perspectiva no caminho da felicidade foi
criada pelos estoicos, dando origem à corrente
filosófica antiga conhecida como estoicismo. essa
palavra deriva do grego stoá, “pórtico” ou “galeria
de colunas”. Trata-se de uma referência ao local
onde o primeiro filósofo dessa corrente, Zenão de
Cício (c. 335-264 a.C.), reunia os alunos e administrava
suas aulas. Para o estoico, é feliz aquele
que vive de acordo com a ordem cósmica, aceitando
e amando o próprio destino nela inscrito.
Como se explica essa ideia e qual é precisamente
o método estoico para a condução de uma
vida boa e feliz?
Compreender a ordem cósmica
o primeiro passo é entender a física ou cosmologia
estoica. o estoicismo concebe o universo
como kósmos, “universo ordenado e harmonioso”,
composto de um princípio passivo (a matéria) e de
um princípio ativo, racional, inteligente (o chamado
logos), que permeia, anima e conecta todas as
suas partes.
Princípio – aquilo que inicia, que funda; aquilo que
constitui a base, a fonte ou o ponto de partida de
coisas ou ideias.
esse princípio ativo ou inteligência universal –
que os estoicos chamavam de providência – regeria
toda a realidade, equivalendo ao que se pode
denominar Deus. se o Deus estoico permeia tudo,
isso significa que ele se encontra no mundo e se
confunde com ele, com a natureza (no jargão da
filosofia diz-se que Deus é imanente; o contrário
desse termo é transcendente, isto é, que está separado
do mundo e não se confunde com ele, como
é o caso do Deus cristão).
em outras palavras, tudo o que existe e que
acontece tem um objetivo e uma razão de ser,
pois faz parte da inteligência universal e divina.
Assim, tudo é necessário, ou seja, não pode ser
diferente do que é, pois, no kósmos, todos os
eventos estão organicamente predeterminados.
isso inclui a vida de cada um, o que quer dizer
que, na concepção estoica, cada pessoa nasce
com um destino definido.
Pela mesma razão, tudo o que acontece deve ser
bom, pois é animado pelo bem contido nos princípios
racionais que governam o universo (a providência).
o importante é a ordem do todo, da totalidade
do universo, o kósmos. isso quer dizer que, para os
estoicos, o bem do todo é melhor do que o bem
individual. Talvez possamos dizer que, para eles,
não há bem quando a pessoa se afasta do todo.
5. Faça uma lista abrangente de seus desejos.
Depois procure classificá-los de acordo com
a teoria de epicuro. Você acredita que, se desenvolvesse
o autocontrole e apenas desejasse
o que é natural e necessário, sofreria menos
ou seria mais feliz?
ConExõEs
Cap’tulo 1 A felicidade 27
Usar o poder da vontade
Com base nessa cosmologia, os estoicos
entendiam que é impossível sermos felizes se
acreditarmos que felicidade é ter tudo o que
desejamos (como geralmente se pensa). basta
que fracassemos em alcançar um desejo e nos
tornamos infelizes.
A esse respeito, ensinavam que há coisas
que dependem de nós e há outras que não dependem
de nós ou só de nós. Depende de nós,
por exemplo, elaborar um bom trabalho ou ser
bom e generoso; não depende de nós (ou só de
nós) ganhar na loteria ou conquistar o coração
da pessoa amada.
então, se existe uma ordem cósmica predeterminada
e se há coisas que não dependem
de nós, só nos resta aproveitar uma “brechinha”
de liberdade que o estoicismo nos deixa
para garantir nossa felicidade: a aplicação de
uma faculdade que todos temos – a vontade.
É a vontade que nos permite querer ou não
querer as coisas. Veja que nada nem ninguém
pode me obrigar a querer o que não quero, ou
a não querer o que quero. Podem me obrigar,
por exemplo, a ir a uma festa, inclusive me levar
à força até lá, mas não podem me fazer querer
ir a essa festa.
É desse modo, para os estoicos, que posso
construir minha felicidade: usando minha vontade
para querer apenas aquilo sobre o que tenho
poder, que depende de mim e que me faz verdadeiramente
feliz.
Controlar pensamentos e paixões
Com base nesse raciocínio, os estoicos procuraram
orientar a conduta das pessoas estabelecendo
a seguinte distinção entre as coisas:
• boas – são aquelas que dependem de nós e que
devemos querer e buscar durante a vida para
sermos felizes. Trata-se das virtudes, como ser
prudente, justo, corajoso;
• más – são as coisas que dependem de nós, mas
que, ao contrário, devemos evitar durante a vida
se queremos ser felizes. Trata-se dos vícios e das
paixões, como ser imprudente, injusto, covarde,
guloso, raivoso;
• indiferentes – são as que não dependem de nós
e com as quais não devemos nos preocupar, sob
pena de gerar infelicidade. É o caso da morte,
do poder, da saúde ou doença, da riqueza ou
pobreza, entre outras.
A infelicidade ocorre, portanto, segundo os
estoicos, quando não conduzimos corretamente
nossos pensamentos e não evitamos as chamadas
coisas más. ou quando nos preocupamos
com as tais coisas indiferentes (algo muito frequente),
o que conduz à formulação de juízos
errôneos ou opiniões equivocadas sobre os
acontecimentos e o consequente despertar de
paixões (isto é, de uma coisa má).
Por esse raciocínio, podemos concluir que a
paixão (pathos, em grego) é o resultado do uso
inadequado da razão, enquanto a virtude consiste
na ação que se desenvolve conforme a razão (ou
seja, conforme a natureza, pois a natureza, como
vimos, é logos, razão).
ilustração extraída da obra
A atmosfera meteorológica
popular (1888), de Camille
Flammarion. Para o
estoicismo, é preciso viver
conforme a ordem cósmica
contida na natureza e em
cada um de nós.
Album/Akg-imAges/lATinsToCk
28 Unidade 1 Filosofar e viver
Assim, dominar as paixões é o objetivo principal
da ética estoica. Para isso, o esforço em controlar
os pensamentos será fundamental, pois é o pensamento
equivocado que gera as condições para
o aflorar das paixões.
Veja o conselho de um pensador estoico grego,
Epiteto (55-135), que foi escravo em Roma durante
a maior parte de sua vida:
Lembra-te que não é nem aquele que te diz injúrias,
nem aquele que te bate, quem te ultraja, mas sim a
opinião que tens deles, e que te faz olhá-los como
gente por quem és ultrajado. Quando alguém te
magoa ou te irrita, saiba que não é aquele homem
que te irrita, mas sim tua opinião. Esforça-te, portanto,
acima de tudo, para não te deixar levar por
tua imaginação. (Citado em Bosch, A filosofia e a
felicidade, p. 103.)
o sábio, portanto, seria aquele que pensa corretamente,
de acordo com as exigências da razão
universal (ou seja, conforme a natureza), controla
seus pensamentos e evita as ilusões das paixões.
Desse modo, atinge a apatia (eliminação de paixões)
e a ataraxia (imperturbabilidade da alma).
e quem é imperturbável não tem tristeza, e sem
tristeza se é feliz.
amar o próprio destino
o domínio sobre os pensamentos e as paixões
seria a via negativa para atingir a felicidade. Diz-se
“negativa” porque se dá pela negação das paixões,
pela negação das causas da infelicidade. mas há
também um percurso positivo, o do amor fati, expressão
latina que significa “amor aos fatos, aos
acontecimentos”, como o próprio destino. Vejamos.
Como vimos antes, de acordo com o estoicismo,
tudo é animado pelos princípios racionais que governam
o universo, de tal maneira que tudo o que acontece
e não depende de mim é necessário e bom.
mesmo a morte de um ente querido, por exemplo,
deve ser tomada como um acontecimento bom, no
sentido de que faz parte da ordem universal.
Por isso, os estoicos entendiam que uma pessoa
não deve se revoltar por ter nascido com uma deficiência
física ou por ser feia, pobre ou até mesmo
escrava (recorde que a escravidão era algo bastante
comum e aceito como “natural” nas sociedades antigas).
Tudo isso não depende dela. A pessoa deve
não apenas aceitar o peso de seu destino, mas também
querê-lo, isto é, amar o que é, o que tem e o
que vive. Deve, enfim, compreender que faz parte
da totalidade e ter amor por seu destino (amor fati).
somente assim poderá ser feliz.
Parábola do velho do forte
Vejamos agora uma parábola, cuja autoria
é atribuída a lieh-Tsé (c. 300 a.C.),
pensador da escola taoista. o taoismo é
uma doutrina místico -filosófica chinesa
– formulada principalmente por lao-Tsé
no século Vi a.C. – que enfatiza a integração
do ser humano à realidade cósmica
primordial.
Desenho chinês do século XViii – artista
desconhecido. Conta-se que o grande
mestre do taoismo passou a ser chamado
de lao-Tsé (“homem Velho”) quando
era ainda um bebê, por já manifestar
grande sabedoria. De acordo com a lenda,
cansado da maldade em seu país, ele
partiu um dia para o ocidente cavalgando
sobre um búfalo, até nunca mais ser visto.
Coleção PARTiCulAR
Parábola – história (narrativa) curta
e figurativa (alegórica) contada com
o propósito de transmitir outra ideia,
mensagem ou ensinamento.
Cap’tulo 1 A felicidade 29
Um velho vivia com seu filho em um forte abandonado, no alto de um monte, e um dia perdeu um cavalo. Os
vizinhos vieram-lhe expressar seu pesar por esse infortúnio, e o velho perguntou:
– Como sabeis que é má sorte?
Poucos dias mais tarde voltou seu cavalo com um bando de cavalos selvagens, e vieram os vizinhos felicitá-lo
por sua boa sorte, e o velho respondeu:
– Como sabeis que é boa sorte?
Com tantas montarias a seu alcance, começou o filho a cavalgá-las, e um dia quebrou uma perna. Vieram os
vizinhos apresentar-lhes condolências, e o velho respondeu:
– Como sabeis que é má sorte?
No ano seguinte houve uma guerra, e, como o filho do velho era agora inválido, não teve de ir para a frente.
yutang, A importância de viver, p. 154.
6. Qual é o significado ou a mensagem da parábola anterior? É possível relacioná-la com o caminho estoico
da felicidade? Por quê?
ConExõEs
5. Como Platão concebia a realidade? Para ele tudo
era matéria?
6. Por que a tese de Platão sobre a alma humana é tão
importante para entender sua doutrina a respeito
da felicidade?
7. explique a fórmula conhecimento = bondade = felicidade,
tendo como referência o sistema platônico.
8. o que é virtude para Aristóteles? Crie exemplos
novos de virtude.
9. Para Aristóteles, a felicidade é uma combinação
de vida dedicada à contemplação teórica, aliada
à prática das outras virtudes humanas e sustentada
pelo bem-estar material e social. Analise
essa afirmação.
10. Qual é a ideia fundamental contida na metáfora
“uma andorinha não faz verão”? Por que Aristóteles
a utiliza?
11. Como epicuro concebia a realidade? Para ele
tudo é matéria? Como sua concepção da realidade
contribui para seu entendimento do que é
ser feliz?
12. É possível afirmar que a concepção de felicidade
de epicuro contrapõe-se à de Aristóteles e, especialmente,
à de Platão?
13. Como o estoico concebe a realidade? Tudo é matéria
para o estoico?
14. Qual é a importância da cosmologia estoica na
determinação de sua ética sobre a felicidade?
15. explique o papel da vontade e do controle sobre os
pensamentos na ética estoica.
16. Como é a felicidade que se alcança pela via do
amor fati?
análisE E EntEndimEnto
2. Felicidade para todos
Platão afirmou: “[...] ao fundarmos a cidade, não
tínhamos em vista tornar uma única classe eminentemente
feliz, mas, tanto quanto possível,
toda a cidade”.
Você acredita que a organização social que ele
propôs favorecia o cumprimento de seu desejo
de trazer a máxima felicidade para todos? essa
organização seria possível na sociedade brasileira?
Por quê? Debata com seus colegas sobre
esse tema.
3. Meu caminho ideal
Qual dos caminhos propostos pelos filósofos estudados
você considera o mais útil para que uma
pessoa construa uma vida feliz em nossos dias?
Por quê? ou o caminho ideal, para você, seria uma
combinação de elementos dessas doutrinas? Quais
seriam esses elementos?
exponha suas reflexões aos/às colegas, escute o
que dizem, argumente e contra-argumente. enfim,
troque ideias de maneira inteligente e respeitosa,
como em uma conversa filosófica.
ConvERsa FilosóFiCa
30 Unidade 1 Filosofar e viverFelicidAde
O bem que todos desejam
Experiência filosófica
A análise que fizemos da situação anterior teve
como propósito destacar dois processos básicos
que marcam, de modo geral, a experiência filosófica:
o estranhamento e o questionamento.
Estranhamento ou deslocamento
Trata-se do primeiro passo da experiência filosófica.
Quando uma pessoa vive uma circunstância
de deslocamento ou estranhamento, experimenta
uma quebra ou interrupção no fluir normal de sua
vida. Detém-se, então, para pensar ou observar algo
que antes não via, ou que vivia de forma automática,
sem se dar conta, sem atenção, sem se questionar.
Foi isso o que ocorreu com o médico durante
sua permanência com os xavantes. Tal circunstância
permitiu-lhe um distanciamento em relação
à sua vida na cidade e, provavelmente, um
contato com algumas de suas próprias crenças
sobre a felicidade.
Questionamento ou indagação
Trata-se do segundo passo da experiência filosófica.
Após viver o estranhamento, a pessoa
Visitante de museu na Alemanha observa a pintura Simonia
(dorsale), de nicola samori. na contemplação de uma obra
de arte também podemos vivenciar uma quebra no fluir
normal de nossas vidas.
inicia um processo de questionamento (interno e
externo) sobre o tema que lhe chamou a atenção.
Foi o que expressou o médico, em suas perguntas
ao índio: a primeira, com enfoque particular
(“você é feliz?”), cuja resposta corresponde
apenas a esse indivíduo; a segunda, de enfoque
geral ou universal (“o que é felicidade ou ser feliz?”),
cuja resposta deveria valer para todas as
experiências de felicidade dos seres humanos,
ou até mesmo independentemente destes (a felicidade
em si).
Certamente você já vivenciou, em algum momento,
questionamentos semelhantes após algum
acontecimento marcante em sua vida. Pode ter
sido durante uma viagem para um lugar distante e
distinto, na morte de um ser querido, em uma
grande decepção amorosa etc. e aí começou a se
questionar, mesmo que superficial e brevemente,
sobre sua vida e a existência em geral. Pois, então,
você estava tendo uma experiência filosófica, ainda
que rudimentar. estava dando os primeiros passos
no filosofar.
Resposta filosófica
Falta-nos, porém, um terceiro passo para
que haja uma experiência filosófica completa.
Prossigamos, então, em nossas descobertas.
na análise que fizemos da historieta inicial, a
principal questão encontrada foi a que envolve o
conceito de felicidade, formulada na pergunta “o
que é felicidade?”. Trata-se agora, portanto, de
construir uma resposta para essa questão.
Após uma reflexão serena e profunda, a
resposta a ser elaborada deverá constituir um
discurso, isto é, a enunciação de um raciocínio,
no qual as ideias deverão estar ordenadas
de maneira lógica no sentido de expressar um
entendimento sobre o problema e, na medida
do possível, encontrar uma “solução” para ele.
Além disso, esse discurso deverá ter um caráter
universal, isto é, pode ser aplicado a todos
os casos ou pessoas. essas são características
importantes de uma resposta filosófica.
isso quer dizer que as respostas filosóficas
não são “qualquer” resposta, pois filosofar não
é pensar de qualquer maneira, seja quando se
pergunta ou quando se responde (conforme veremos
de forma mais detalhada nos próximos
capítulos).
JAn-PhiliPP sTRobel/DPA/CoRbis/FoToARenA
Cap’tulo 1 A felicidade 17
esse terceiro passo para constituir uma experiência
filosófica completa não foi dado em nossa
historieta. ela não apresenta uma resposta com
tais características. Ao contrário, a resposta de
Rupawe chega a provocar em nós, leitores, certo
efeito cômico, pela ingenuidade e aparente contradição
do índio ao se declarar feliz e, ao mesmo
tempo, não saber o que é felicidade.
Veja, porém, que essa ironia é profundamente
filosófica, pois não é verdade que, com frequência,
temos uma compreensão particular, intuitiva e
experiencial de alguma coisa ou dimensão de
nossa existência (como a felicidade, o amor, o desejo),
mas não um entendimento conceitual mais
amplo e abstrato dela? essa é uma experiência
constante de nosso cotidiano: conhecemos algo,
sentimos algo, vivemos algo, mas temos dificuldade
para defini-lo.
Ironia – em literatura, uso de palavras ou situações
incongruentes ou contraditórias, com efeito crítico
ou humorístico.
será fácil, porém, definir a felicidade nesses
termos? não, assim como não é fácil responder
grande parte dos temas tratados pelos filósofos
em toda a história da filosofia. Tanto que existe
muita discordância entre eles, que deram respostas
diferentes, com frequência contrárias –
embora brilhantes –, para as mesmas questões.
e muitas vezes, ao respondê-las, despertaram
novos problemas, sobre os quais se debruçariam
as gerações seguintes.
Assim, como veremos ao longo deste livro, em
filosofia não existem respostas definitivas, no
sentido de convencer a todos e “acabar com a
discussão” (embora seja isso o que pretende e
acredita ter alcançado boa parte daqueles que se
lançam nessa tarefa). os temas filosóficos são os
temas fundamentais da existência humana, mas
as pessoas muitas vezes têm experiências distintas,
suas vidas mudam e as sociedades também.
Por isso, costuma-se dizer que a filosofia é uma
contínua conversação.
1. Recorde um momento de sua vida que fez você parar para pensar. Depois elabore um texto sobre essa
si tuação que contenha estes elementos:
a) lugar onde ocorreu a situação, data, pessoas envolvidas, diálogos, sensações, emoções;
b) problema (dúvidas ou perguntas que essa situação despertou em você à época);
c) respostas a que chegou então (se chegou a alguma);
d) crítica: em que sua reflexão pode ser melhorada hoje, no sentido de torná-la uma resposta mais filosófica?
ConExõEs
Felicidade e sabedoria
Voltando ao nosso tema, a felicidade, talvez você já esteja pensando: “Até aqui eu entendi. mas por que
começamos um livro de filosofia falando de felicidade? Afinal, qual é a relação entre felicidade e filosofia?”.
Pois bem, a relação é histórica, isto é, vem desde o nascimento da atividade filosófica na Antiguidade
grega, há mais de 25 séculos. Como a própria etimologia revela, a palavra filosofia é formada pelos termos
gregos philos, “amigo”, “amante”, e sophia, “sabedoria”. Portanto, filosofia quer dizer “amor à sabedoria”.
e sabedoria, para os gregos, não era apenas um grande saber teórico, mas principalmente prático, tendo
em vista que buscava atender ao que consideravam o objetivo supremo da vida humana: a felicidade.
Assim, a filosofia apresentava-se como um conhecimento superior que conduzia à vida boa, isto é, que
indicava como viver para ser feliz. e o filósofo se reconhecia
como aquele que buscava, praticava e ensinava um
método, um caminho para a felicidade.
As artes da paz (1893) – gari melchers.
observe a obra e reflita sobre a
importância do conhecimento nessa
pintura mural. Trata-se de uma
representação moderna do mundo
antigo. A estátua reverenciada é de
Palas Atena, deusa da sabedoria,
das artes e da guerra.
minneAPolis insTiTuTe oF ARTs, minnesoTA, euA
18 Unidade 1 Filosofar e viver
Origem da palavra filosofia
Conforme a tradição histórica, a palavra filosofia foi usada pela
primeira vez pelo pensador grego Pitágoras (c. 570-490 a.C.),
quando o príncipe leonte perguntou-lhe sobre a natureza de sua
sabedoria. Pitágoras respondeu: “sou apenas um filósofo”. Com
essa resposta, pretendia esclarecer que não detinha a posse da
sabedoria. Assumia a posição de “amante do saber”, isto é, alguém
que quer, ama e deseja o saber.
Com o decorrer do tempo, entretanto, a palavra filosofia foi
ganhando um significado mais específico, passando a designar a
busca de um tipo especial de sabedoria: aquela que nasce do uso
metódico da razão, da investigação racional.
Finalidade última da filosofia
em sua origem histórica, a relação da filosofia
com a felicidade era fundamental, pois a vida boa
seria a finalidade última da investigação filosófica.
Para que você entenda bem o que queremos dizer
com “finalidade última” de uma ação, observe a
seguinte sequência de perguntas:
• Filosofar para quê?
Para pensar melhor sobre tudo: os fatos, as pessoas,
a vida.
• Pensar melhor sobre tudo para quê?
Para encontrar soluções aos problemas da existência
– a minha e a de outras pessoas.
• encontrar essas soluções serve para quê?
Para ter menos problemas, ficar mais tranquilo
e viver melhor.
• Viver melhor para quê?
Para me sentir bem, em paz comigo mesmo e
com o mundo.
• sentir-se assim para quê?
Para ser feliz.
• ser feliz para quê?
não sei. Talvez para deixar as pessoas que me
cercam felizes também.
• Deixá-las felizes para quê?
Para que eu fique feliz com a felicidade delas.
Vemos que, no final, as respostas começam a ser
circulares. Voltam sempre ao mesmo ponto, ou seja,
à ideia desse sentimento de bem-estar, de satisfação
consigo mesmo e com a vida, ligada também à sensação
de plenitude, de já ter tudo e não precisar de
mais nada. essa é uma boa descrição da felicidade.
Portanto, finalidade última é aquela que está
por detrás de todas as finalidades mais imediatas e
conscientes de uma ação. geralmente inconsciente,
ela é o motivo fundamental de uma conduta.
Finalidade última de todos os atos
usando da mesma lógica contida nessa sequência
de perguntas, podemos supor que a felicidade
é igualmente a finalidade última de todos
os nossos atos, mesmo de ações que parecem
“ruins” por algum tempo, ou daquelas que realmente
nos fazem mal e aos outros. É que, no
fundo – conforme acreditam vários filósofos e
psicólogos –, a intenção última de toda ação ou
conduta é “positiva” no sentido de que, consciente
ou inconscientemente, a pessoa está buscando,
por meio dessa ação, trazer, preservar, aumentar
seu bem-estar, ou mesmo evitar, acabar com uma
dor, um sofrimento, uma tristeza.
É o caso, por exemplo, do jovem que “malha” todos
os dias na academia para alcançar uma boa
condição física, que “racha” de estudar para passar
no vestibular ou que realiza trabalhos voluntários
em sua escola ou comunidade. são esforços, “sacrifícios”,
ações em que se abandona o prazer imediato
em busca de um bem maior, uma alegria.
Parece que a felicidade funciona como um ímã
oculto que atrai as pessoas com seu magnetismo,
impulsionando seus movimentos, suas ações.
beTTmAnn/CoRbis/FoToARenA
Pitágoras.
o filósofo e matemático
grego ensinava que a
música é um remédio
para a alma.
Razão – faculdade (capacidade) da
mente à qual corresponde o raciocínio
(ou encadeamento lógico das ideias)
e a possibilidade de compreender
intelectualmente as coisas. opõe-se,
nesse sentido, à compreensão que
advém das sensações e da sensibilidade.
Cap’tulo 1 A felicidade 19
sem a perspectiva do bem que traz uma ação, ela
perde seu sentido, e o magnetismo se desfaz.
mas, quando temos essa perspectiva do bem que
queremos e o alcançamos, vivemos um estado
de satisfação com nossa situação no mundo.
Aliás, a etimologia revela que a palavra felicidade
vem do latim felicitas, que, por sua vez, deriva
do latim antigo felix, que significa “fértil, frutuoso,
fecundo” (cf. AbbAgnAno, Dicionário de filosofia).
Felicidade é, portanto, um estado de fecundidade
que gera vida e vitaliza nossa existência.
no entanto, a busca da felicidade também está
por detrás de muitos comportamentos autodestrutivos,
como a dependência das drogas, do álcool e
do tabaco, ou antissociais, como a violência e a delinquência,
sem falar no simples egoísmo e na falta
de consideração pelos demais.
Assim, afirmar que a felicidade é a finalidade
última de todos os atos não é dizer que todo e
qualquer ato traz felicidade. Como você já deve ter
experimentado, muitas vezes o que se obtém é o
oposto: buscamos felicidade e acabamos conseguindo
infelicidade. Por isso é tão importante desenvolver
um conhecimento mais crítico sobre o
mundo, sobre as coisas. Como diz o ditado popular:
“nem tudo o que reluz é ouro”.
“nem tudo é dias de sol, /
e a chuva, quando falta muito,
pede-se. / Por isso tomo a
infelicidade com a felicidade /
naturalmente, como quem não
estranha / Que haja montanhas
e planícies / e que haja rochedos
e erva...” (PessoA, O guardador
de rebanhos, p. 14.)
JusTin PAgeT/CoRbis/FoToARenA
1. explique as três etapas básicas de uma experiência
filosófica.
2. Por que se diz que existe uma relação histórica
entre felicidade e filosofia?
3. Disserte sobre o conceito de finalidade última.
4. o que é a felicidade para você? em que situações
concretas de sua vida você experimentou esse
estado?
análisE E EntEndimEnto
1. Finalidade oeltima
“A felicidade é a finalidade última de todos os
nossos atos.” Você concorda com essa afirmação?
não poderia ser, por exemplo, o amor,
o crescimento espiritual ou mesmo a riqueza
material? Debata sobre esse tema com seus
colegas, procurando:
a) expor sua opinião e escutar atentamente a dos
demais;
b) questionar, com argumentos e de maneira respeitosa,
as opiniões das quais você discorda ou
que não entendeu direito;
c) apoiar, com argumentos, aquelas de que
você gostou, complementando-as, se achar
necessário.
ConvERsa FilosóFiCa
20 Unidade 1 Filosofar e viver
como viver pArA ser Feliz?
O que disseram os sábios gregos
humanidade dedica-se regularmente e com
avidez a eles;
• saúde – valorizada por muitos, principalmente
quando falta, mas perseguida pelos mais moderados
ou disciplinados;
• amor e amizade – considerados importantes pela
maioria, mas com frequência relegados a um
segundo plano em termos de prioridade.
Pressupõe-se que a carência de uma dessas
fontes possa explicar a infelicidade de alguém. o
curioso é que, com frequência, pessoas que desfrutam
de tudo isso não se sentem felizes, ou são
infelizes por tê-las em excesso. Como explicar
isso? Dependerá a felicidade de outros fatores
mais essenciais? Variará de pessoa para pessoa?
em uma primeira análise, podemos perceber na
lista acima uma tendência em considerar a felicidade
como o resultado de fatores predominantemente materiais
e externos que afetam a vida de um indivíduo:
bens, dinheiro, reconhecimento do meio social, prazeres
ditos “carnais”, ausência de doenças. As circunstâncias
internas, sua vida interior, não contariam
tanto, nem a coletividade em que vive esse indivíduo.
Diferindo da tendência geral, a maioria dos filósofos
– especialmente os gregos antigos – propôs
caminhos mais comportamentais e intelectuais
(ou espirituais) para a obtenção da felicidade verdadeira.
Alguns deles também empregaram uma
perspectiva menos individualista, concebendo a felicidade
como resultado de um processo coletivo,
alcançado em conjunto com a comunidade.
Dois amiguinhos observam o dia chuvoso na fronteira entre
bangladesh e Índia.
Avancemos um pouco mais em nossa investigação
sobre a felicidade, colocando-nos agora
algumas questões:
• se o que nos move é, em última instância, o desejo
de ser feliz, mas nem todo ato traz felicidade,
como alcançar nosso objetivo?
• Considerando a fragilidade e a vulnerabilidade
humanas, como devemos agir para levar uma
vida feliz ou, ao menos, não infeliz?
• Quais são as fontes da felicidade?
É aí que entra em cena o sábio, o filósofo. Como
ficará mais claro adiante, responder de forma filosófica
a essas questões envolve primeiramente
formar uma ideia bem fundamentada sobre muitos
outros temas: como é o mundo, quem somos
nós, que lugar ocupamos no mundo, como conhecemos
as coisas, que sentido tem a existência de
cada um e muitos outros problemas filosóficos.
Todas essas respostas devem ser coerentes entre
si, formando um sistema.
Sistema – conjunto de elementos em que um
depende do outro, compondo um todo orgânico,
coerente e organizado.
Assim, ao tentar responder a essas e outras perguntas,
os sábios da grécia antiga, nossos primeiros
filósofos (do mundo ocidental), acabaram elaborando
sistemas filosóficos distintos, com explicações
que procuraram abarcar toda a complexidade do
universo natural e humano. Veremos, logo mais, algumas
dessas respostas. Antes, porém, abordemos
o tema das fontes de felicidade, para formar um
mapa prévio, orientador.
Fontes da felicidade
Que elementos, condições ou coisas tornam
um indivíduo feliz? De acordo com textos antigos,
os elementos mais desejados e perseguidos pelas
pessoas em geral durante a Antiguidade eram (e
você perceberá que continuam sendo):
• bens materiais e riqueza – sempre estiveram
entre as fontes mais cobiçadas e pelas quais as
pessoas mais se esforçam;
• status social, poder e glória – pode-se até matar
por eles, mesmo quando as pessoas não são tão
conscientes do valor que lhes dão;
• prazeres da mesa e da cama – fontes básicas do
bem-estar corporal e emocional, boa parcela da
mohAmmAD musTAFizuR RAhmAn/momenT/geTTy imAges
Cap’tulo 1 A felicidade 21
Aprender a pensar com os filósofos
Veremos em seguida algumas das principais doutrinas sobre a felicidade, concebidas pelos pensadores
da grécia antiga. Conhecer o que pensaram filósofos de outras épocas e pensar junto com eles pode ser
interessante e fecundo – e “facilita” nossa vida, pois podemos aproveitar o caminho aberto e depois tomar
nosso próprio rumo, sem perder tempo “reinventando a roda”.
Além do que se ganha em compreensão, conhecimento de si e dos outros por intermédio das grandes
obras da tradição, é preciso saber que elas podem simplesmente ajudar a viver melhor e mais livremente. [...]
Aprender a viver, aprender a não mais temer em vão as diferentes faces da morte, ou, simplesmente, a
superar a banalidade da vida cotidiana, o tédio, o tempo que passa, já era o principal objetivo das escolas
da Antiguidade grega. A mensagem delas merece ser ouvida, pois, diferentemente do que acontece na
história da ciência, as filosofias do passado ainda nos falam.
Ferry, Aprender a viver: filosofia para os novos tempos, p. 16-17.
Você verá neste livro que alguns pensadores forjaram, por vezes, visões de mundo bastante diferentes
da nossa (ou da sua), mas que ainda fazem algum (ou muito) sentido no mundo atual. notará também
que algumas de suas concepções tornaram-se amplamente aceitas e incorporaram-se ao cotidiano de
grande parte das pessoas – ou de certos grupos sociais – mesmo que de forma transparente e sutil.
outras vezes, porém, perceberá que muitas delas ainda são polêmicas, fazendo parte dos debates das
sociedades contemporâneas.
Publicidade de shopping center mexicano em uma
revista sobre moda. A propaganda busca com
frequência – por meio de imagens e mensagens
subliminares – criar nas pessoas necessidades
que elas não teriam se não fossem bombardeadas
incessantemente pelas campanhas publicitárias.
observação
A investigação sobre o tema da felicidade
pertence mais especificamente
a um ramo da filosofia conhecido
pelo nome de ética (que será estudado
com mais detalhes no capítulo
18). A ética trata de um universo de
questões ligadas ao dever, isto é,
como devemos agir em geral ou em
relação a problemas específicos.
AnTARA
2. observe a imagem ao lado e reflita:
a) Qual é a mensagem dessa propaganda?
Você acredita que só é
feliz quem vive assim, de acordo
com esse modelo? Por quê?
b) o que você considera como fontes
fundamentais para sua felicidade
pessoal?
ConExõEs
22 Unidade 1 Filosofar e viver
Platão: conhecimento
e bondade
no grego antigo, várias palavras traduziam
distintos aspectos da felicidade. A principal delas
era eudaimonia, derivada dos termos eu (“bem-
-disposto”) e daimon (“poder divino”). Trata-se da
felicidade entendida como um bem ou poder concedido
pelos deuses. subentendia-se que, para
mantê-la, a pessoa deveria conduzir sua vida de
tal maneira a não se indispor com as divindades,
para o que era preciso sabedoria. mesmo assim,
ainda corria o risco de perder esse bem ou poder
se os deuses assim o desejassem, por qualquer
motivo arbitrário.
isso significa que a felicidade era tida como uma
espécie de fortuna ou acaso – enfim, um bem instável
que dependia tanto da conduta pessoal, como
da boa vontade divina (cf. LAurioLA, De eudaimonia à
felicidade..., Revista Espaço Acadêmico, n. 59).
Platão (427-347 a.C.) – considerado por boa
parte dos estudiosos o primeiro grande filósofo
ocidental, juntamente com seu mestre, sócrates –
foi um dos principais pensadores gregos a se lançar
contra essa instabilidade, em busca de uma felicidade
estável, postura que caracterizará de forma
marcante a ética eudemonista grega. (Veja a biografia
de Platão no capítulo 12. Distintos aspectos
de seu pensamento serão abordados também em
várias outras partes deste livro.)
no entendimento de Platão, o mundo material
– aquele que percebemos pelos cinco sentidos – é
enganoso. nele tudo é instável e por meio dele não
pode haver felicidade. Por isso, para esse filósofo, o
caminho da felicidade é o do abandono das ilusões
dos sentidos em direção ao mundo das ideias, até
alcançar o conhecimento supremo da realidade,
correspondente à ideia do bem.
o que isso significa e como devemos agir para
alcançar essa condição?
Harmonizar as três almas
Para entender a concepção platônica de felicidade,
precisamos compreender primeiramente
sua doutrina sobre a alma humana, contida na
obra A República. Para Platão, o ser humano é essencialmente
alma, que é imortal e existe previamente
ao corpo. A união da alma com o corpo é
acidental, pois o lugar próprio da alma não é o
mundo sensível, e sim o mundo inteligível. A
alma se dividiria em três partes:
• alma concupiscente – situada no ventre e ligada
aos desejos carnais;
• alma irascível – situada no peito e vinculada às
paixões;
• alma racional – situada na cabeça e relacionada
ao conhecimento.
A vida feliz de uma pessoa dependeria da devida
subordinação e harmonia entre essas três almas.
A alma racional regularia a irascível, e esta controlaria
a concupiscente, sempre com a supervisão da
parte racional. há, portanto, uma primazia da parte
racional sobre as demais.
Para apoiar essa tarefa, Platão propunha duas
práticas:
• ginástica – conjunto de exercícios e cuidados
físicos por meio dos quais a pessoa aprendia
a disciplina e o domínio sobre as inclinações
negativas do corpo; e
• dialética – método de dialogar praticado por
sócrates (conforme veremos no capítulo 3), pelo
qual cada pessoa poderia ascender progressivamente
do mundo sensível (que Platão considerava
ilusório) ao mundo inteligível (que ele
considerava verdadeiro).
Pintura sobre vaso etrusco fabricado em sèvres (c. 1827-1832)
– Percier/beranger (Coleção particular). Representa uma
corrida entre jovens gregos em aula de educação física.
na grécia antiga, a educação das crianças – ou paideia
(do grego paidos, “criança”) – passou por várias etapas de
desenvolvimento. À época de Platão, meninos entre 7 e
14 anos (meninas não) recebiam aulas de ginástica e música.
Também aprendiam gramática e a recitar de cor poemas
antigos, que eram fonte importante de conteúdo moral
(cf. JAeger, Paidea – a formação do homem grego).
mAssimo lisTRi/CoRbis/FoToARenA
Eudemonista – relativo à felicidade ou que tem a
felicidade como valor fundamental ou principal objetivo.
Inteligível – que só pode ser apreendido pelo intelecto,
por oposição ao sensível, isto é, que só pode ser
apreendido pelos sentidos.
Concupiscente – que está relacionado com a
concupiscência, isto é, o desejo de prazeres carnais.
Irascível – que é propenso a experimentar a ira, a raiva.
Capítulo 1 A felicidade 23
Conhecer o bem
Por meio dessas práticas – especialmente da
dialética – a alma humana penetraria o mundo inteligível,
também conhecido como mundo das
ideias, e se elevaria sucessivamente, mediante a
contemplação das ideias perfeitas, até atingir a
ideia suprema, que é a ideia do bem. Para Platão,
as ideias perfeitas seriam a realidade verdadeira,
e compreendê-las significava, portanto, alcançar
o grau máximo de conhecimento.
Por que a supremacia da ideia do bem? Porque
o bem, segundo o filósofo, seria a causa de todas
as coisas justas e belas que existem, incluindo as
outras ideias perfeitas, como justiça, beleza, coragem.
sem o bem não há nenhuma delas, inclusive a
ideia perfeita de felicidade. (Voltaremos a estudar a
teoria do mundo das ideias no capítulo 12.)
em resumo, podemos dizer que, para Platão, a
felicidade é o resultado final de uma vida dedicada
a um conhecimento progressivo até se atingir a ideia
do bem, o que poderia ser sintetizado na seguinte
fórmula: conhecimento = bondade = felicidade.
As três coisas, quando ocorrem em sua máxima
expressão, andariam sempre juntas, mas o caminho
partiria do conhecimento.
Além disso, para Platão, a ascensão dialética
equivaleria não apenas a uma elevação cognoscitiva
(isto é, do conhecimento), mas também a uma
evolução do ser da pessoa (evolução ontológica, no
jargão filosófico). simplificando bastante, podemos
dizer que aquele que alcança o conhecimento verdadeiro
(que culmina com a ideia do bem) torna-se
um ser “melhor” em sua essência e, por isso, pode
viver mais feliz.
Construir o bem de todos
Platão, no entanto, tinha como motivação fundamental
de seu filosofar o âmbito político: para
ele, a política era a mais nobre das atividades e
de todas as ciências, pois tinha como objeto a pólis
(cidade-estado grega) e, portanto, a vida do
conjunto dos cidadãos. Por isso, seu projeto político-
filosófico visou à construção de uma sociedade
justa, isto é, aquela que promovesse o bem
de todos (o bem comum):
[...] ao fundarmos a cidade, não tínhamos em vista tornar
uma única classe eminentemente feliz, mas, tanto quanto
possível, toda a cidade. De fato, pensávamos que só
numa cidade assim encontraríamos a justiça e na cidade
pior constituída, a injustiça [...]. Agora julgamos modelar
a cidade feliz, não pondo à parte um pequeno número
dos seus habitantes para torná-los felizes, mas considerando-
a como um todo [...] (A República, p. 115-116).
Com esse propósito, em sua obra denominada
A República, o filósofo idealizou uma sociedade
organizada em torno de três atividades básicas:
produção dos bens materiais e de alimentos, defesa
da cidade e administração da pólis (tema que
será estudado mais detidamente no capítulo 19).
Dentro dessa organização, a cada cidadão caberia
uma função social (produtor, guerreiro ou sábio),
e esta seria definida de acordo com sua própria
natureza, isto é, a aptidão inata a cada pessoa.
A identificação dessa aptidão natural ou vocação
se faria durante o processo educativo. A educação
seria igual para todos os jovens. Aqueles
que se revelassem os mais sábios seriam destinados
à administração pública. e, como os filósofos
eram os mais sábios entre os mais sábios (os
conhecedores do caminho da felicidade), seriam
eles os governantes da cidade.
Dentro dessa organização, conforme concebeu
Platão, cada um já seria feliz pelo simples
fato de cumprir a função para a qual é mais apto
por natureza (concepção grega à qual voltaremos
mais adiante).
aristóteles: vida teórica
e prática
na história da filosofia, ocorre frequentemente
que um discípulo acabe não sendo um seguidor
fiel das doutrinas de seu mestre e até se oponha a
ele em vários aspectos, desenvolvendo um pensamento
independente e original.
É o caso de Aristóteles (384-322 a.C.), que refutou
a teoria do mundo das ideias, pilar da filosofia
platônica, propondo um pensamento que, embora
valorizasse a atividade intelectual, teórica e contemplativa
como fundamental, resgatava o papel dos
bens humanos, terrenos, materiais para alcançar
uma vida boa (distintos aspectos do pensamento de
Aristóteles serão abordados no capítulo 12 e em
outras partes deste livro).
Qual foi, então, o método proposto pelo filósofo?
3. Praticar ginástica ou alguma atividade física
disciplinada faz você sentir-se bem? Você
percebe resultados concretos em termos de
bem-estar físico, emocional e mental? Procure
relacionar suas observações com a teoria
platônica sobre a felicidade.
ConExõEs
24 Unidade 1 Filosofar e viver
Exercitar a contemplação
em sua obra dedicada ao tema da ética, Aristóteles
apresenta a seguinte explicação:
[...] o que é próprio de cada coisa é, por natureza,
o que há de melhor e de aprazível para ela; e, assim,
para o homem a vida conforme a razão é a melhor
e a mais aprazível, já que a razão, mais que qualquer
outra coisa, é o homem. Donde se conclui que essa
vida é também a mais feliz (Ética a Nicômaco, p. 190).
Para que você entenda esse raciocínio, vamos
expor, mesmo que resumidamente, a argumentação
que sustenta a tese do filósofo sobre a felicidade:
• Aristóteles afirmava que um ser só alcança seu
fim quando cumpre a função (ou faculdade) que
lhe é própria e o distingue dos demais seres,
isto é, sua virtude (ou, em grego, aretŽ).
• A palavra virtude é entendida aqui como a propriedade
mais característica e essencial de um
ser, aquela cujo exercício conduz à excelência
ou perfeição desse ser, trazendo-lhe prazer.
Por exemplo: a virtude de uma faca é o seu
corte, de uma laranjeira é produzir laranjas, de
um dentista é tratar dos dentes.
• o ser humano, por sua vez, dispõe de uma
grande quantidade de funções ou faculdades
(caminhar, correr, comer, sentir, dormir, desejar,
obrar, amar etc.), mas outros animais podem
possuí-las também. há, porém, uma única
faculdade que ele possui com exclusividade
e que o distingue dos demais seres: o pensar
de forma racional. essa seria, portanto, sua
virtude essencial.
• Assim, o ser humano só alcançará seu fim e
bem supremo (a felicidade) se atuar conforme
sua virtude, que é a razão.
mas preste atenção: para Aristóteles, não
basta ter uma virtude (a racionalidade) – é preciso
exercitá-la. o ser humano precisa esforçar-se
para realizar aquilo que lhe é dado pela natureza
como potência (possibilidade de ser). Portanto, o
que o filósofo preconizava era que, para atingir a
felicidade verdadeira, o ser humano deveria dedicar-
se fundamentalmente à vida teórica, no
sentido de uma contemplação intelectual, buscando
observar a beleza e a ordem do cosmo, a
autêntica realidade das coisas. e deveria manter
essa prática durante a vida inteira, e não apenas
em um ou outro dia,
[...] porquanto uma andorinha não faz verão, nem
um dia tampouco; e da mesma forma um dia, ou um
breve espaço de tempo, não faz um homem feliz e
venturoso. (Ética a Nicômaco, p. 16.)
Praticar outras virtudes
sem tirar os pés do chão, no entanto, Aristóteles
dizia também que não se pode abandonar a
companhia da família e dos amigos, a riqueza e o
poder. Todos esses elementos, e o prazer que deles
resulta, promoveriam o bem-estar material e
a paz social, indispensáveis à vida contemplativa.
o sábio não poderá dedicar-se à contemplação
se, por exemplo, não houver alimentos, se seus
filhos chorarem de fome e se a cidade toda estiver
em pé de guerra.
Além do mais, o gozo de tais prazeres estaria
vinculado ao exercício de outras virtudes humanas
– como a generosidade, a coragem, a cortesia e a
justiça – que, em seu conjunto, contribuiriam para
a felicidade completa do ser humano.
Portanto, na ética aristotélica, embora o exercício
contínuo de uma vida teórica seja essencial
(condição necessária, no jargão filosófico) para
uma pessoa alcançar a vida feliz, isso não basta
(não é condição suficiente). em resumo, a felicidade
seria uma vida dedicada à contemplação teórica,
aliada à prática das outras virtudes humanas e
sustentada pelo bem-estar material e social.
Platão em estado contemplativo, meditando sobre a
imortalidade (1874) – autor desconhecido. (Coleção particular.)
beTTmAnn/CoRbis/FoToARenA
4. Destaque, entre os elementos propostos por
Aristóteles para uma vida feliz, aqueles que
você considera condição necessária para sua
felicidade. Para você há algum que, além de
necessário, é condição suficiente para ser
feliz? Qual? Justifique sua resposta.
ConExõEs
Capítulo 1 A felicidade 25
Epicuro: o caminho do prazer
Apesar das diferenças entre as duas abordagens
anteriores, você já deve ter notado que elas
não são tão distintas assim, pois tanto Platão como
Aristóteles, por caminhos diversos, valorizam muito
o papel do intelecto para obter uma vida feliz.
Resposta realmente distinta foi a de Epicuro
(341-271 a.C.), que recomendava o caminho do
prazer. Para o filósofo, felicidade é o prazer resultante
da satisfação dos desejos, como crê a maioria
das pessoas. mas o que epicuro quer dizer com
isso é que a felicidade é fundamentalmente prazer,
pois para ele tudo no mundo é matéria e, no ser
humano, sensação, inclusive a felicidade. Assim,
ser feliz é sentir prazer.
Com base nessa visão sensualista (baseada nas
sensações), epicuro dirá que todos os seres buscam
o prazer e fogem da dor e que, para sermos
felizes, devemos gerar, primeiramente, as condições
materiais e psicológicas que nos permitam
experimentar apenas o prazer na vida. e prazer,
para ele, é sobretudo ausência de dor, conforme
veremos adiante.
Que estratégias o filósofo propõe para evitar
a dor?
Eliminar certas crenças
uma das principais causas de angústia e infelicidade,
segundo epicuro, são as preocupações religiosas
e as superstições. ele se refere, aqui, ao
temor que certas crenças e religiões nos impõem.
Por exemplo, os gregos temiam muito ofender
seus deuses e serem terrivelmente punidos por
eles. Também viviam sob o pavor de que forças divinas
interferissem em suas vidas, mudando sua
sorte ou tirando-lhes os seres queridos.
Todo esse sofrimento poderia ser evitado,
segundo o filósofo, se as pessoas compreendessem
que o universo inteiro é constituído de matéria,
inclusive a alma humana. Veriam que tudo o que
acontece pode ser explicado pelo movimento
aleatório dos átomos, que produz forças cegas e
indiferentes ao destino humano. Aqui epicuro segue
a teoria atomista e mecanicista de outro filósofo
grego, Demócrito (460-370 a.C.), que estudaremos
adiante (no capítulo 11).
mediante essa compreensão materialista do
universo e do ser humano, epicuro sustentava que
as pessoas também se livrariam de outro grande
fator de angústia e infelicidade: o medo da morte.
Acostuma-te à ideia de que a morte para nós não é
nada, visto que todo bem e todo mal residem nas
sensações, e a morte é justamente a privação das
sensações. A consciência clara de que a morte não
significa nada para nós proporciona a fruição da vida
efêmera, sem querer acrescentar-lhe tempo infinito
e eliminando o desejo de imortalidade.
[...] quando estamos vivos, é a morte que não está
presente; ao contrário, quando a morte está presente,
nós é que não estamos. (Carta sobre a felicidade [a
Meneceu], p. 27-28.)
Eliminar ou moderar os desejos
epicuro também dizia que quem espera muito
sempre corre o risco de se decepcionar. Por isso,
ele recomendava que as pessoas eliminassem todos
os desejos desnecessários e se permitissem
apenas os naturais e necessários, mesmo assim
com moderação.
Detalhe de Jardim das del’cias (c. 1510) – hyeronimus bosch,
óleo sobre painel. nessa obra, repleta de simbolismo, o artista
retrata a humanidade totalmente entregue aos prazeres
sensoriais e carnais – agindo, portanto, de maneira contrária
aos preceitos epicuristas.
hieRonymus bosCh/museo Del PRADo, mADRi, esPAnhA
Atomista – relativo ao atomismo, doutrina filosófica
segundo a qual toda matéria é formada por átomos
(partículas minúsculas, eternas e indivisíveis).
Mecanicista – relativo ao mecanicismo, conceito
filosófico de que algo funciona de forma mecânica,
isto é, como uma máquina, obedecendo a relações
de causa e efeito.
26 Unidade 1 Filosofar e viver
isso significa fazer uma distinção entre os desejos,
que, para o filósofo, podiam ser classificados
em três tipos:
• naturais e necessários – como os desejos de
comer, beber e dormir;
• naturais e desnecessários – como os desejos de
comer alimentos refinados, tomar bebidas especiais
e caras e dormir em lençóis luxuosos etc.;
• não naturais e desnecessários – como os desejos
de riqueza, fama e poder.
Contentar-se com pouco seria o segredo do
prazer e da felicidade. Com a expectativa reduzida,
não há decepção, e um grande prazer pode advir de
um simples copo de água. gozar o prazer eventual
de um banquete ou de um cargo elevado não é
proibido, mas não deveria ser desejado sempre,
pois, mais cedo ou mais tarde, viriam a insatisfação,
o desprazer, a infelicidade.
agir com prudência racional
Como nem todos os prazeres contribuem para
uma vida feliz, como apontou epicuro, podemos concluir
que alguns prazeres são superiores a outros.
Por isso, o filósofo recomendava agir com prudência
racional, isto é, avaliar a ação de cada um deles.
se fizermos uma comparação entre os prazeres,
veremos que – conforme assinalou o filósofo – alguns
são mais duradouros e encantam o espírito,
como a boa conversação, a contemplação das artes
e a audição de música. Já outros, movidos pela explosão
das paixões, são muito intensos e imediatos,
mas perdem sua força com o passar do tempo.
esse discernimento nos possibilita realizar uma
escolha prudente e racional dos prazeres, evitando
aqueles que podem produzir infelicidade. Desse
modo, conquistamos a autarquia, isto é, o governo
da própria vida, sem depender de elementos
externos. e pela autarquia – conforme sustentou
epicuro – ascenderíamos à ataraxia, palavra de
origem grega que designa o estado de imperturbabilidade
da alma caracterizada pela indiferença
total ao que ocorre no mundo. esse seria o objetivo
último, a felicidade suprema dos epicuristas.
Estoicos: amor ao destino
outra perspectiva no caminho da felicidade foi
criada pelos estoicos, dando origem à corrente
filosófica antiga conhecida como estoicismo. essa
palavra deriva do grego stoá, “pórtico” ou “galeria
de colunas”. Trata-se de uma referência ao local
onde o primeiro filósofo dessa corrente, Zenão de
Cício (c. 335-264 a.C.), reunia os alunos e administrava
suas aulas. Para o estoico, é feliz aquele
que vive de acordo com a ordem cósmica, aceitando
e amando o próprio destino nela inscrito.
Como se explica essa ideia e qual é precisamente
o método estoico para a condução de uma
vida boa e feliz?
Compreender a ordem cósmica
o primeiro passo é entender a física ou cosmologia
estoica. o estoicismo concebe o universo
como kósmos, “universo ordenado e harmonioso”,
composto de um princípio passivo (a matéria) e de
um princípio ativo, racional, inteligente (o chamado
logos), que permeia, anima e conecta todas as
suas partes.
Princípio – aquilo que inicia, que funda; aquilo que
constitui a base, a fonte ou o ponto de partida de
coisas ou ideias.
esse princípio ativo ou inteligência universal –
que os estoicos chamavam de providência – regeria
toda a realidade, equivalendo ao que se pode
denominar Deus. se o Deus estoico permeia tudo,
isso significa que ele se encontra no mundo e se
confunde com ele, com a natureza (no jargão da
filosofia diz-se que Deus é imanente; o contrário
desse termo é transcendente, isto é, que está separado
do mundo e não se confunde com ele, como
é o caso do Deus cristão).
em outras palavras, tudo o que existe e que
acontece tem um objetivo e uma razão de ser,
pois faz parte da inteligência universal e divina.
Assim, tudo é necessário, ou seja, não pode ser
diferente do que é, pois, no kósmos, todos os
eventos estão organicamente predeterminados.
isso inclui a vida de cada um, o que quer dizer
que, na concepção estoica, cada pessoa nasce
com um destino definido.
Pela mesma razão, tudo o que acontece deve ser
bom, pois é animado pelo bem contido nos princípios
racionais que governam o universo (a providência).
o importante é a ordem do todo, da totalidade
do universo, o kósmos. isso quer dizer que, para os
estoicos, o bem do todo é melhor do que o bem
individual. Talvez possamos dizer que, para eles,
não há bem quando a pessoa se afasta do todo.
5. Faça uma lista abrangente de seus desejos.
Depois procure classificá-los de acordo com
a teoria de epicuro. Você acredita que, se desenvolvesse
o autocontrole e apenas desejasse
o que é natural e necessário, sofreria menos
ou seria mais feliz?
ConExõEs
Cap’tulo 1 A felicidade 27
Usar o poder da vontade
Com base nessa cosmologia, os estoicos
entendiam que é impossível sermos felizes se
acreditarmos que felicidade é ter tudo o que
desejamos (como geralmente se pensa). basta
que fracassemos em alcançar um desejo e nos
tornamos infelizes.
A esse respeito, ensinavam que há coisas
que dependem de nós e há outras que não dependem
de nós ou só de nós. Depende de nós,
por exemplo, elaborar um bom trabalho ou ser
bom e generoso; não depende de nós (ou só de
nós) ganhar na loteria ou conquistar o coração
da pessoa amada.
então, se existe uma ordem cósmica predeterminada
e se há coisas que não dependem
de nós, só nos resta aproveitar uma “brechinha”
de liberdade que o estoicismo nos deixa
para garantir nossa felicidade: a aplicação de
uma faculdade que todos temos – a vontade.
É a vontade que nos permite querer ou não
querer as coisas. Veja que nada nem ninguém
pode me obrigar a querer o que não quero, ou
a não querer o que quero. Podem me obrigar,
por exemplo, a ir a uma festa, inclusive me levar
à força até lá, mas não podem me fazer querer
ir a essa festa.
É desse modo, para os estoicos, que posso
construir minha felicidade: usando minha vontade
para querer apenas aquilo sobre o que tenho
poder, que depende de mim e que me faz verdadeiramente
feliz.
Controlar pensamentos e paixões
Com base nesse raciocínio, os estoicos procuraram
orientar a conduta das pessoas estabelecendo
a seguinte distinção entre as coisas:
• boas – são aquelas que dependem de nós e que
devemos querer e buscar durante a vida para
sermos felizes. Trata-se das virtudes, como ser
prudente, justo, corajoso;
• más – são as coisas que dependem de nós, mas
que, ao contrário, devemos evitar durante a vida
se queremos ser felizes. Trata-se dos vícios e das
paixões, como ser imprudente, injusto, covarde,
guloso, raivoso;
• indiferentes – são as que não dependem de nós
e com as quais não devemos nos preocupar, sob
pena de gerar infelicidade. É o caso da morte,
do poder, da saúde ou doença, da riqueza ou
pobreza, entre outras.
A infelicidade ocorre, portanto, segundo os
estoicos, quando não conduzimos corretamente
nossos pensamentos e não evitamos as chamadas
coisas más. ou quando nos preocupamos
com as tais coisas indiferentes (algo muito frequente),
o que conduz à formulação de juízos
errôneos ou opiniões equivocadas sobre os
acontecimentos e o consequente despertar de
paixões (isto é, de uma coisa má).
Por esse raciocínio, podemos concluir que a
paixão (pathos, em grego) é o resultado do uso
inadequado da razão, enquanto a virtude consiste
na ação que se desenvolve conforme a razão (ou
seja, conforme a natureza, pois a natureza, como
vimos, é logos, razão).
ilustração extraída da obra
A atmosfera meteorológica
popular (1888), de Camille
Flammarion. Para o
estoicismo, é preciso viver
conforme a ordem cósmica
contida na natureza e em
cada um de nós.
Album/Akg-imAges/lATinsToCk
28 Unidade 1 Filosofar e viver
Assim, dominar as paixões é o objetivo principal
da ética estoica. Para isso, o esforço em controlar
os pensamentos será fundamental, pois é o pensamento
equivocado que gera as condições para
o aflorar das paixões.
Veja o conselho de um pensador estoico grego,
Epiteto (55-135), que foi escravo em Roma durante
a maior parte de sua vida:
Lembra-te que não é nem aquele que te diz injúrias,
nem aquele que te bate, quem te ultraja, mas sim a
opinião que tens deles, e que te faz olhá-los como
gente por quem és ultrajado. Quando alguém te
magoa ou te irrita, saiba que não é aquele homem
que te irrita, mas sim tua opinião. Esforça-te, portanto,
acima de tudo, para não te deixar levar por
tua imaginação. (Citado em Bosch, A filosofia e a
felicidade, p. 103.)
o sábio, portanto, seria aquele que pensa corretamente,
de acordo com as exigências da razão
universal (ou seja, conforme a natureza), controla
seus pensamentos e evita as ilusões das paixões.
Desse modo, atinge a apatia (eliminação de paixões)
e a ataraxia (imperturbabilidade da alma).
e quem é imperturbável não tem tristeza, e sem
tristeza se é feliz.
amar o próprio destino
o domínio sobre os pensamentos e as paixões
seria a via negativa para atingir a felicidade. Diz-se
“negativa” porque se dá pela negação das paixões,
pela negação das causas da infelicidade. mas há
também um percurso positivo, o do amor fati, expressão
latina que significa “amor aos fatos, aos
acontecimentos”, como o próprio destino. Vejamos.
Como vimos antes, de acordo com o estoicismo,
tudo é animado pelos princípios racionais que governam
o universo, de tal maneira que tudo o que acontece
e não depende de mim é necessário e bom.
mesmo a morte de um ente querido, por exemplo,
deve ser tomada como um acontecimento bom, no
sentido de que faz parte da ordem universal.
Por isso, os estoicos entendiam que uma pessoa
não deve se revoltar por ter nascido com uma deficiência
física ou por ser feia, pobre ou até mesmo
escrava (recorde que a escravidão era algo bastante
comum e aceito como “natural” nas sociedades antigas).
Tudo isso não depende dela. A pessoa deve
não apenas aceitar o peso de seu destino, mas também
querê-lo, isto é, amar o que é, o que tem e o
que vive. Deve, enfim, compreender que faz parte
da totalidade e ter amor por seu destino (amor fati).
somente assim poderá ser feliz.
Parábola do velho do forte
Vejamos agora uma parábola, cuja autoria
é atribuída a lieh-Tsé (c. 300 a.C.),
pensador da escola taoista. o taoismo é
uma doutrina místico -filosófica chinesa
– formulada principalmente por lao-Tsé
no século Vi a.C. – que enfatiza a integração
do ser humano à realidade cósmica
primordial.
Desenho chinês do século XViii – artista
desconhecido. Conta-se que o grande
mestre do taoismo passou a ser chamado
de lao-Tsé (“homem Velho”) quando
era ainda um bebê, por já manifestar
grande sabedoria. De acordo com a lenda,
cansado da maldade em seu país, ele
partiu um dia para o ocidente cavalgando
sobre um búfalo, até nunca mais ser visto.
Coleção PARTiCulAR
Parábola – história (narrativa) curta
e figurativa (alegórica) contada com
o propósito de transmitir outra ideia,
mensagem ou ensinamento.
Cap’tulo 1 A felicidade 29
Um velho vivia com seu filho em um forte abandonado, no alto de um monte, e um dia perdeu um cavalo. Os
vizinhos vieram-lhe expressar seu pesar por esse infortúnio, e o velho perguntou:
– Como sabeis que é má sorte?
Poucos dias mais tarde voltou seu cavalo com um bando de cavalos selvagens, e vieram os vizinhos felicitá-lo
por sua boa sorte, e o velho respondeu:
– Como sabeis que é boa sorte?
Com tantas montarias a seu alcance, começou o filho a cavalgá-las, e um dia quebrou uma perna. Vieram os
vizinhos apresentar-lhes condolências, e o velho respondeu:
– Como sabeis que é má sorte?
No ano seguinte houve uma guerra, e, como o filho do velho era agora inválido, não teve de ir para a frente.
yutang, A importância de viver, p. 154.
6. Qual é o significado ou a mensagem da parábola anterior? É possível relacioná-la com o caminho estoico
da felicidade? Por quê?
ConExõEs
5. Como Platão concebia a realidade? Para ele tudo
era matéria?
6. Por que a tese de Platão sobre a alma humana é tão
importante para entender sua doutrina a respeito
da felicidade?
7. explique a fórmula conhecimento = bondade = felicidade,
tendo como referência o sistema platônico.
8. o que é virtude para Aristóteles? Crie exemplos
novos de virtude.
9. Para Aristóteles, a felicidade é uma combinação
de vida dedicada à contemplação teórica, aliada
à prática das outras virtudes humanas e sustentada
pelo bem-estar material e social. Analise
essa afirmação.
10. Qual é a ideia fundamental contida na metáfora
“uma andorinha não faz verão”? Por que Aristóteles
a utiliza?
11. Como epicuro concebia a realidade? Para ele
tudo é matéria? Como sua concepção da realidade
contribui para seu entendimento do que é
ser feliz?
12. É possível afirmar que a concepção de felicidade
de epicuro contrapõe-se à de Aristóteles e, especialmente,
à de Platão?
13. Como o estoico concebe a realidade? Tudo é matéria
para o estoico?
14. Qual é a importância da cosmologia estoica na
determinação de sua ética sobre a felicidade?
15. explique o papel da vontade e do controle sobre os
pensamentos na ética estoica.
16. Como é a felicidade que se alcança pela via do
amor fati?
análisE E EntEndimEnto
2. Felicidade para todos
Platão afirmou: “[...] ao fundarmos a cidade, não
tínhamos em vista tornar uma única classe eminentemente
feliz, mas, tanto quanto possível,
toda a cidade”.
Você acredita que a organização social que ele
propôs favorecia o cumprimento de seu desejo
de trazer a máxima felicidade para todos? essa
organização seria possível na sociedade brasileira?
Por quê? Debata com seus colegas sobre
esse tema.
3. Meu caminho ideal
Qual dos caminhos propostos pelos filósofos estudados
você considera o mais útil para que uma
pessoa construa uma vida feliz em nossos dias?
Por quê? ou o caminho ideal, para você, seria uma
combinação de elementos dessas doutrinas? Quais
seriam esses elementos?
exponha suas reflexões aos/às colegas, escute o
que dizem, argumente e contra-argumente. enfim,
troque ideias de maneira inteligente e respeitosa,
como em uma conversa filosófica.
ConvERsa FilosóFiCa
30 Unidade 1 Filosofar e viver

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